terça-feira, 29 de junho de 2010

A Ocidente do Paraíso (76). Não vás, porque os negros não gostam dos brancos e vão-te matar.



Coloquei a situação ao senhor Figueira. Como um dos seus amigos ia embora definitivamente, e o seu apartamento estava bem localizado, onde era difícil roubar roupa, eu, a Tina e a sua filha Dina, mudámos de casa. Ficámos no quarto andar de um prédio de cinco. Encontrámos duas mesas que deixaram, e com dois colchões, mantas e alguns utensílios que trouxemos, eram esses apenas os nossos pertences para a grande aventura das nossas vidas que se avizinhava.

Durante os treinos no campo do São Paulo que findavam, um pormenor despertou-me a atenção. Ver mestiços era difícil, e o único branco, creio que era eu. Deram-nos uma farda azul. O Lucas ofereceu-me uma pistola checoslovaca muito bonita, mas nunca disparei um tiro com ela. Fomos chamados para a última formatura, numa tarde onde nos foram entregues armas. A seguir iríamos proteger Agostinho Neto na proclamação da Independência de Angola.

No Largo 1º de Maio tudo estava preparado. À meia-noite do dia 11 de Novembro de 1975, Agostinho Neto «perante a África e o Mundo» proclama a independência de Angola. Estava com outros colegas na protecção das suas costas, quando toda a gente começa a disparar para o ar. Alguns disparos perigosamente efectuados passam por cima das nossas cabeças e tribuna presidencial. Recebemos ordens para correr com essa gente. Fomos na sua perseguição, afastámo-los e pouco depois tudo voltou à normalidade.
Antes, a Tina implorou-me a chorar:
- Não vás, porque os negros não gostam dos brancos e vão-te matar. Que será de mim e da Dina. Não te esqueças que estou grávida.

Depois da cerimónia fomos para o Rangel e Sambizanga verificar e vigiar se existiam actos de vandalismo ou disparos anárquicos. Haviam alguns, e onde surgiam íamos para lá, e impúnhamos respeito e ordem.
Entretanto, o Lucas fez questão de comparecer e apresentou-me uma bonita moça com uma mini-saia provocante que era namorada do Xietu. Depois, fomos para o Campo da Revolução assistir à grande festa. Uma imensa multidão dançava sem parar ao som de música ininterrupta. Ninguém provocava distúrbios. O único distúrbio – se assim lhe podemos chamar – era o som alto da música.
Por volta das seis da manhã regressei para junto da Tina e da Dina. Encontrei a Tina a chorar por causa do tiroteio da celebração da independência. Escondeu-se debaixo da mesa da cozinha, e chorou por pensar que já estaria morto. Não conseguia dormir a pensar no que faria sozinha sem mim. Por isso ficou muito contente quando cheguei.

No outro dia fui trabalhar normalmente. Por falta de transporte fui a pé. Pelo caminho notei que não havia um único branco. Ninguém me molestou ou insultou. Portanto não existiam motivos para ter medo. Estava tranquilo porque nunca fiz mal a ninguém. Se o tivesse feito decerto alguém me atormentaria.

Sem comentários: