segunda-feira, 28 de junho de 2010

A Ocidente do Paraíso (75). Agostinho Neto o que pretende é acabar com toda a influência Ocidental. Haverá aqui um grande banho de sangue.


Quando nestas circunstâncias um deles chegou, perguntei-lhe se conseguiu cobrar alguma coisa. A resposta foi erguer uma mão para me dar uma chapada. Mais rápido do que ele segurei-lhe no braço, olhei bem para os seus olhos, e dei-lhe a entender que se tentasse algum gesto de agressão, um de nós não ficaria vivo. Poisou os recibos das cobranças em cima da secretária, e foi-se embora sem dizer qualquer palavra. O início de uma grande sinfonia sobre a anarquia estava a ser composta.
Figueira assistiu à cena. Impassível, sereno, desabafou:
- O que me aflige é que toda a gente neste país perdeu o bom senso. As ideologias estragam uma nação. Tinha consideração por Savimbi, achava que ele era o único que tinha posições mais conciliatórias – ele é muito inteligente – mas acaba de estragar tudo, porque libertou presos de delito comum no Huambo, e isso é incompatível para um homem que pretende defender e impor a justiça. Este país está perdido. Bom, também tomei a decisão de eu e a minha família abandonarmos Angola. Mas não vou fazer como todos fazem. Sairei daqui calmamente depois da independência, com a mesma pequena mala com que aqui cheguei.
- Snr Figueira, e Agostinho Neto?
- Agostinho Neto o que pretende é acabar com toda a influência Ocidental. Haverá aqui um grande banho de sangue.
A sua esposa chegou, ouviu parte do diálogo e acrescentou:
- Figueira, o nosso amigo Diógenes Boavida também é um grande militante...
- Não podia deixar de o ser. Todos sabemos que como advogado é uma nulidade. O pior advogado que existiu em Angola.

Entretanto, Lucas vai-me dando o ponto da situação:
- Olha, amanhã o Xietu – Chefe do Estado-maior das FAPLA – vem aqui prestar uma homenagem ao nosso chefe da mecânica. Eles são amigos de longa data, e o chefe da mecânica foi militante na clandestinidade. Fica atento porque te vou apresentar pessoalmente ao Xietu.
Faz uma pausa e considera:
O António Jacinto é o ministro da Cultura, mas como é branco achamos que ainda é cedo para isso. Deveria ser nomeado mais tarde. O meu cunhado vai ser nomeado ministro do Trabalho. Como somos amigos isso é bom para nós.

Na pensão foi a debandada geral. Eu e a Tina ficámos sós, mas não por muito tempo. Vieram pessoas não se sabe donde, que imediatamente ocuparam as instalações abandonadas. Não tinham noção de convivência, e os seus hábitos deixavam muito a desejar. Faziam as refeições em qualquer local. Dentro ou fora de casa eram panelas e pratos espalhados por todo o lado. O lixo aumentava. Os esgotos deixaram de funcionar porque as pessoas atiravam tudo para o seu interior. As fossas entupidas rebentaram e um caudal de água podre tornou-se companhia habitual. E vieram mais pessoas para um espaço que já não suportava mais ninguém. E tentavam invadir a todo o momento a nossa privacidade.
O pior aconteceu quando a meio da noite vieram gatunos para nos roubarem. A Tina apercebeu-se, saiu e com uma longa conversa que manteve com eles, saíram a rir.
Falei com a Tina e disse-lhe que urgentemente teríamos que sair deste local, porque não tínhamos nenhuma segurança. Ela opôs-se argumentando que as coisas da senhora que ali estavam eram sua pertença. Mas como retirá-las se a casa já estava ocupada?

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