A pensão era improvisada, tipicamente colonial porque existia e sobrevivia das ondas militares e civis que povoavam Angola, suportava quinze hóspedes. De propriedade de um casal de portugueses que poupavam o mais que possível nos gastos que guardavam para o regresso definitivo a Portugal. O esposo trabalhava como braçal numa pedreira no Cacuaco, a esposa era da classe aristocrática da vulgaridade doméstica. Dominava-os em absoluto a incultura urbana colonial. Há já cinquenta anos que o fim da vida lhe acenava vitorioso.
A Tina era a única empregada que cuidava de tudo. Fazia as camas, as refeições, as compras… era a empregada para todo o serviço. Aparentava para aí vinte e cinco anos. Magra, alta, seios pequenos, naturais, sensuais. Natural de Quilengues, fábrica das mais belas mulheres angolanas e quiçá do mundo. Uma mwila da etnia lunyaneka, o que é o mesmo que dizer, muito bonita. Ela conseguiu ir de férias a Portugal com os patrões, mas confessava que não gostou da ideia. Foi no Alentejo, onde assustou as crianças porque nunca viram uma pessoa escura. E gritavam para as mães: «vimos um demónio!».
O primo da patroa veio cumprir o serviço militar e como bom seguidor da grei colonial deixou-lhe uma filha sem pai que agora tinha três anos. Disseram-lhe para ir para Portugal mas ela não aceitou devido ao seu nacionalismo sempre latente. Depois de educada na Ilha dos Padres de Luanda ausentou-se para a sua terra natal. Aborrecida e escandalizada devido à sua educação religiosa ocidental, saiu de lá com um filho que entregou aos cuidados dos seus pais. Regressou porque o seu marido tinha várias mulheres conforme os mandamentos da santa tradição bantu. Ela não suportava essa vida que contrariava os santos ensinamentos de Jesus, caminhou e acabou por vir parar à pensão como se fosse um mosteiro. O salário ganho era miserável porque o poder instituído decretava que as negras nunca deveriam ascender além de lavadeiras, criadagem sem valor conforme os preceitos da Santa Mãe Igreja: «tudo o que for negro é escravo da eternidade do Senhor».
Perante tão baixa condição política sustentada pela conspiração religiosa, mesmo assim os irmãos quando a visitavam roubavam-lhe o que podiam.
Entretanto, a filha permanecia quase todo o tempo no pátio, enjaulada numa espécie de cama grande. E para que a criança se distraísse de vez em quando, eu retirava-a da jaula, mas ela corria ao encontro da mãe o que a impedia de trabalhar. Era por isso que permanecia presa sem o cometimento de qualquer crime. Afinal, ainda se considera um crime para quem nasce neste mundo.
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