quarta-feira, 2 de junho de 2010

A Ocidente do Paraíso (66). Brancos extremistas queriam criar um exército para liquidarem os negros.


Os dias sucediam-se e o nosso envolvimento aprofundava-se. Mas, por mais que queiramos existe sempre um senão. Quando conversava com a Marta, o Aurélio chegava, interrompia os nossos devaneios e ela lá ia… para junto dele. Passava mais tempo com ele do que comigo. Passei a questionar-me interiormente, e a duvidar do amor da Marta. Será que eles continuariam assim depois de nos casarmos? E quando estavam a sós no quarto faziam o quê? As dúvidas assaltaram-me de tal maneira que senti o meu sistema nervoso voltar ao sindroma da guerra.

O 25 de Abril chega. As primeiras reacções são de desalento e dúvida. Os portugueses vêem o seu futuro ameaçado. Os militares nos seus discursos em relação às colónias são evasivos. As suspeitas aumentam quando entre os militares surgem vários que apregoam a ideologia comunista. Em Angola nascem várias tendências de portugueses, que por todos os meios tentam manter a ligação a este país. De modo desorganizado, sem noção do que é política, na grande maioria incultos, a verem a árvore das patacas a fugir-lhes. Intolerantes e fundamentalistas, tentam por todos os meios manter as suas posições favoráveis. Mas já é tarde, demasiado tarde.

Tudo isto para mim era perfeitamente normal. Sabia de antemão que iria acontecer, por isso não me surpreendi nem me senti desprevenido. Brancos extremistas queriam criar um exército para liquidarem os negros. Outros tentavam formar partidos políticos à última da hora. Outros ainda defendiam uma Angola multiracial onde negros, brancos e mestiços coabitariam perfeitamente, pois a grandeza do país chegava e sobrava para todos. Mas a verdade era esta: Todos acabaram por escolher um dos três movimentos. As observações mais correntes eram: A FNLA era um movimento tribalista, eram todos do Norte, e os poucos brancos que lhe aderiram eram considerados alvos a abater. A UNITA era o movimento dos brancos. O MPLA era dos mestiços e de alguns brancos comunistas. Perante isto como conciliar o irreconciliável?! Era o caos, e este chegou com velocidade. A afirmação fundamentava-se em: «Não aceito ser mandado por negros. Com negros a mandar nem pensar».
Os planos de debandada geral começam a ser traçados.

Marta mostra-me catálogos de moradias e de mobílias. Aponta para uma:
- Este estilo de mobília americano é muito bonito.
Concordei inteiramente com as suas preferências. Ressaltei-lhe que gostava muito dela. Apreensivo, segredei-lhe que preferia contar com o dinheiro que eu ganhasse, para evitar problemas de dependência no futuro. Abraçou-me, beijou-me demoradamente e senti o seu sexo quente encostado ao meu. Afinal de contas desde que seja uma casa e uma mobília funcional que mais é necessário? Eram os preparativos finais para o nosso enlace matrimonial. Mas curiosamente o tempo passado comigo continuava a ser pouco em comparação com o dedicado ao Aurélio.

Era uma sexta-feira. Muito aborrecido e com imensos pensamentos desagradáveis, se a sua fidelidade era real ou não, porque as dúvidas que me assaltavam necessitavam de serem expelidas. Mas se na verdade já éramos marido e mulher, porque motivos passava a maior parte do tempo com o Aurélio? Tão juntos, tão encostados, com risadas tão amorosas e eu solitário a observá-los.

Imagem: http://pissarro.home.sapo.pt/memorias23.htm

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