sexta-feira, 18 de junho de 2010

A Ocidente do Paraíso (72). A partir daí rotularam-me: «que eu era comunista», e como tal marginalizaram-me.


As conversas à mesa, como não podiam deixar de ser, eram sobre a situação que se vivia. Trocavam-se opiniões sobre um dos muitos comunicados do MPLA que afirmava... «e assim o nosso povo continua na miséria», e que era preciso acabar com os musseques. Defendia esta posição, mas com muito cuidado, porque arriscava-me a levar uma grande surra. A partir daí rotularam-me: «que eu era comunista», e como tal marginalizaram-me. Disseram-me depois que a Tina começou a gostar de mim porque era o único que defendia os negros. Mas não prestei atenção ao comentário.
E novas mensagens surgiam:
- A Tina gosta muito de ti, diz que és muito bonito, sabes falar bem e que não és racista.
Depois dos dissabores que passei, não estava de momento inclinado para assuntos amorosos.
E a Tina passou ao ataque. De manhã era o último a sair. Enquanto tomava o pequeno-almoço, ela ficava em frente a mim de costas a lavar roupa no tanque. Com uma mini-saia quase pelo meio das pernas, de vez em quando baixava-se tão generosamente que o tecido subia tanto que descobria a nudez do seu traseiro de nádegas atraentes e muito sensuais. Depois voltava-se e com um sorriso maroto parecia perguntar-me se gostei ou não. E o assédio feminino continuava diariamente.

Como me mantinha irredutível ela passou a outra táctica. Quando servia o almoço – não havia jantar – todos os outros hóspedes tinham um bife nos seus pratos, eu tinha dois. Um ovo para os outros, dois para mim. Duas salsichas, quatro para mim, etc. Alguns hóspedes apontavam o dedo para o meu prato em ar de gozo. Chamavam a Tina e perguntavam porque só eu tinha o dobro da comida, e ela muito séria:
- Não chega para todos!
Claro que os hóspedes não aceitavam a justificação, e a rir voltavam a pedir explicações, e ela enigmática:
- Calhou assim, amanhã pode ser outro qualquer… Ah! Não me aborreçam!
Os comentários passaram a ser mais directos:
- Mas tu não vês que ela gosta tanto de ti que até mete no teu prato o dobro da comida? Pois fica sabendo que essa mulher vale mais que mil brancas.

No local de trabalho surpreendi-me com uma notícia. Os dois administradores tinham sido presos e levados para o campo da Tourada. Como coordenador dos grupos de acção pedi explicações a alguns membros. E eles elucidaram-me:
- Foram presos porque ofereceram viaturas à UNITA.
Pensei em ir à delegação da Vila Alice e pedir para os soltarem. Mas mudei de ideias, porque decerto também seria acusado de conivência e preso. No outro dia soltaram-nos. Quando chegaram olharam para mim como se eu fosse o autor da façanha. A era da justiça do poder popular estava no auge. Justiça sumária.

Entretanto todos os chefes de departamento partiram para sempre. Uns para Portugal, outros para o Brasil, África do Sul, Rodésia. O chefe das vendas despediu-se com um pequeno comício e sem papas na língua com o Mein Kampf (A minha luta) de Hitler, bem visível e com o olhar fixo em mim carregado de ódio profetizou-me:
- Vou-me embora por causa dos comunistas de merda. Vão ser todos mortos. Sem os brancos não conseguirão fazer nada. Vão morrer todos à fome. E o último a sair que apague a luz.
Terrível profecia que mais tarde se concretizaria, mas não conseguiram acabar com os comunistas.
Os que partiam diziam-me invariavelmente mais ou menos a mesma coisa. «Que os negros são muito falsos. Que o malanjino por bebida trai tudo e todos. Que a melhor maneira de lidar com esta gente é dar-lhes a entender que se confia neles. Que um branco para ficar aqui só se for comandante do MPLA. Meditava e concluía que estes brancos são mesmo grandes racistas.

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