segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

Desde que não escrevo aqui, aconteceu …. Marcolino Moco


(à memória de André Mingas e aos cantos com que nos encantou e ficaram)
1-Morreu minha prima-irmã Cinta, na semana de André Mingas
No dia 9 de Outubro, no Hospital Provincial do Huambo, anónima, morre minha prima-irmã Cecília Cinta. Para mim, foi algo que tocou muito forte, porque a morte dessa filha do irmão mais velho de meu pai, resultou de um AVC tão fulminante quanto inesperado, quando depois dessas guerras que tanto nos separaram e por muito tempo, muito esperava ver, tantas vezes quantas possíveis, a prima Cinta e o seu sorriso angélico, a recordar os tempos em que sua beleza e candura era disputada por tantos outros primos mais velhos do que eu e por tantos forasteiros dos arredores da nossa aldeia Tchitue, na antiga Vila Flor (Ekunha). Parentes de Luanda, partimos à madrugada, no dia do seu enterro, a tempo de ainda poder ver o rosto de minha irmã repousado para a eternidade, antes de descer à terra, ao sabor de belos e esperançosos hinos evangélicos. Abracei meu cunhado-viúvo, o pastor Afonso, e chorei como um “homem não deve chorar”.
Foi na mesma semana que o André nos deixou, o homem para o qual despertei no trio maravilha de tempos idos, com o Zau e o Mukenga, na poesia e no canto. Não pude assim estar em nenhum dos actos de homenagem a esse que era um parente de todos nós, na elegância das suas criações. Nem o fru-fru luandense me permitiu ainda dar um abraço condoído aos seus mais próximos, especialmente ao Rui, o nosso “mano” comum. Passando por cima de todos os engarrafamentos da vida e da cidade, solto este abraço daqui e que se espalhe por todos que se sentem hoje órfãos dessa partida tão antecipada.
2- Steve Jobs e o mistério da vida
Antes, no dia 5 de Outubro, morreu Steve Jobs. Assim como não concordava olimpicamente com o André, quando “quase” dizia que tudo o que é nacional é bom, com Steve nunca digeri bem a ideia de ser “a morte a melhor invenção da vida”. Talvez não tenha entendido bem o sentido em que o dizia. Na verdade, se for no sentido em que o entendo, eu diria quase o contrário: que a vida é melhor invenção da não vida. Como se pode ler em “Cosmos” do extraordinário divulgador científico Carl Sagan, imaginando que a existência do nosso Universo conhecido se reduzisse a um ano, a vida (a humana pelo menos) só teria surgido nas últimas horas do dia 31 de Dezembro desse ano. Daí a preciosidade da vida. Daí a nossa orfandade pela partida − também tão antecipada − desse génio transformador do nosso mundo actual.
3-Solturas de natureza duvidosa
Quando procurava um espaço na minha agenda para ir visitar os “miúdos” injustamente presos por exercício de um direito cívico-político, eles foram libertados. Celebrei. Uma festa cá comigo dentro. Mas continuo preocupado. Não pude ainda investigar para concluir, por mim próprio, alguma coisa: decisão acertada do Supremo (o que nos daria uma orgulhosa alegria como colegas juristas, que partindo da e da razão conseguimos afinal, defender a dignidade humana que tem sido tão vilipendiada em Angola) ou cálculos da “fechadura democrática e sorridente”, como tenho chamado o actual regime político em Angola, a manipular tudo e todos e submetendo todos os poderes, a brincar justamente com a dignidade das pessoas, desta vez para aliviar a leitura de um “Estado da Nação” do mais alto mandatário do país que se aproximava? E a dúvida não cala.
4-William Tonet, censura n’A Capital e outros aspectos do nosso estado de nação
E como calar a dúvida, quando William Tonet (com todas as suas virtudes e defeitos porque é homem – e que homem de contributos inexcedíveis!), acusado de difamar altas individualidades do país, me diz ter sido colocado por um colega nosso (jurista nas vestes de juiz) durante horas e horas de julgamento de pé, a ponto de quase perder os sentidos, em nome de não se sabe que Direito, aprendido em não sei que universidades? E, num Estado de direito democrático, que não devia ter nada a recordar-nos o salazarismo, Vicente Pinto de Andrade, vê a sua toda educada e trabalhosa entrevista para a “A Capital”, mais do que censurada, descarada e abusivamente retirada das páginas do semanário. Pelo que se constata agora e a olho nu, foi para isso mesmo que este e outros semanários foram comprados, ao arrepio da legislação vigente, por patrões do mesmo gene, num puro e intolerável gangsterismo político-informativo. Como pode a sociedade angolana continuar a olhar para isso passivamente? Como nos podemos orgulhar disso? Deste nosso Estado de Nação?
5-O Estado da Nação do Presidente
E aconteceu o Estado da Nação do Presidente. Onde mais uma vez aquelas coisas horríveis, acima acontecidas, contra pessoas humanas (a que se juntam casos outros como o Roque Santeiro, Ponto Final, Ilha, Tchavola, Tchimúkua, mau-trado das mães quitandeiras, etc, etc, casos em que as pessoas são transportadas para tendas e matas de miséria e morte, abandonando casas demolidas inesperadamente e negócios sem alternativa para o sustento de vida) não têm uma referência expressa. São, com certeza, um “fait-divers”, como continuam a sê-lo todos “os direitos humanos que não enchem a barriga de ninguém”, que só servem para contrariar “soberanias nacionais”. Quem gostaria de ser submetido a esse tipo de soberania nacional indefinidamente? Uma soberania de discriminação tão acintosa e descarada! Um outro semanário, desses que nem precisaram de ser comprados por terem já nascido com gente do gene, sublinhou que o “discurso sobre o estado da Nação” não seria do chefe do executivo mas “do mais alto mandatário da nação (sic)”. Porém, e mais uma vez, contornando (sem problemas, porque sabe que nem das bancadas partidárias, nem dos meios de comunicação alguém o indagaria, como faz costume em Angola) os mais prementes problemas da nação, ouvimos, nem mesmo o chefe do executivo, mas um alto funcionário do Ministério do Plano, a chover-nos números e números de nos causar uma vertigem estonteante.
Mais uma vez é preciso que se diga: o problema nº Um, neste momento, do nosso estado da Nação, é que o Presidente não quis terminar, como estava delineado num trabalho de longos anos, a estabilização institucional do país. Ele próprio se encarregou temerariamente de introduzir factores de novas instabilidades, depois de “tanta luta e tanto luto”, como diria o poeta; agora o poder está preocupado porque as práticas usadas para o efeito, como a manobra, sob reserva mental fraudulenta, de infiltrar-se na lista de deputados do partido potencialmente vencedor para depois ser proclamado presidente com poderes extraordinários sem ser formalmente eleito, estão a ser assimiladas aos regimes que estão a cair no Norte de África e noutras partes do mundo onde se teima em manter regimes que já não se coadunam há muito com o mundo actual; o problema nº Dois é outro elemento que também aproxima o actual regime material do nosso Estado aos regimes em decadência que radica no facto de não ser possível combater a corrupção e outras práticas corrosivas da autoridade do Estado com um sistema de comunicação social que só transmite o que for agradável aos dignitários desse Estado e com um culto de personalidade ao chefe que de tão caduco não tem mais paralelo nas nossas proximidades, onde os seus aniversários são celebrados durante semanas e semanas, com despesas e inaugurações de vulto, com direito a bebedeiras onde jovens enquadrados por “movimentos espontâneos”(como aconteceu algures em Benguela) atiram garrafas uns contra os outros, num cenário dionisíaco, com direito a transmissão nos meios massivos de comunicação social ao serviço do regime; o problema nº Três mas talvez o fundamento dos anteriores e de outros tantos que não caberiam aqui, é que enrodilhado nos problemas que a longevidade no poder traz, o Presidente quer controlar tudo e por isso não pode controlar quase nada: segue com um nervosismo esgotante os governadores (sobretudo o de Luanda que nem mais existe) que só sabem o dia da posse e nunca o da prestação de contas e da saída, situação que estes, por sua vez, fazem descer até as comunas. Como minimizar os problemas ao fim de quase uma década de paz efectiva, nesta forma de instabilidade e contínua e centralizada?
Mas foi positivo que o Presidente tenha reiterado que somos um país democrático e de direito e que haja diálogo com todas as vozes sérias. Espero-o, vozes não compradas.
6-Benguela: um governo e uma administração ao serviço do cidadão (sempre há coisas positivas)
Nas minhas andanças de advocacia social, em defesa de deserdados da sorte, apoiados por ONG´s nacionais e estrangeiras que não organizam manifestações nem convidam otans para destruir países, passei por Benguela e encontrei-me com o meu amigo e companheiro de lutas imemoráveis no Huambo, o actual Governador Provincial, general Armando da Cruz Neto, bem como o “mais novo” Ricardo, administrador do Lobito. Gostei. Nós que viemos do sistema de partido-único formalizado, estaremos sempre de algum modo condicionados pelo passado. Mas deve louvar-se o esforço que se faz para se virar a página. É o que vi nesses camaradas meus, engajados em pôr as pessoas à frente de projectos, sejam eles públicos ou privados. Vê-se aí que a questão não é manter os lugares na chefia, mas trabalhar com todos para ir aliviando os problemas. Mesmo que nem sempre seja possível.
7-Outras coisas positivas: Pinto da Costa, Pedro Pires e Kaunda
Como é bom quando “tudo acaba bem” e fica fácil, porque se tiram as lições da História e se seguem as regras que se traçam para os amanhãs!? Pinto da Costa voltou à presidência de S.Tomé. Amigo de Angola, só espero que não venha colher aqui e agora a teoria dos “presidentes constitucionais”. Alguns o criticaram por alegada precipitação na altura, quando foi o primeiro a enveredar para o multipartidarismo num país lusófono, depois da queda do Muro de Berlim. Agora ele e o país colhem os louros. Pedro Pires, que terminou agora a sua missão a frente do Estado cabo-verdiano, idem, e com uma mais-valia: o prémio Mo Ibrahim por respeito aos princípios de boa governação e observância irrestrita às constituições vigentes, o que não é apanágio na nossa agitada África. Vão dizer que falei de ilhas. Não. Kaunda, “pai” de um Estado-nação continental, sujeitou-se às humilhações de um sucessor tresloucado, que chegou a acusá-lo de estrangeiro e retirar-lhe o passaporte vermelho, porque (ele Kaunda) entendeu que as novas regras deviam ser respeitadas a favor da paz da nação. Sobreviveu às loucuras da insensatez. Seu nome foi dado agora a um aeroporto pelo actual Presidente do seu país. Há dias encontrou-se com o Presidente José Eduardo de Angola, na condição de emissário do actual Presidente. Não custa nada.
8-Líbia e Kadhafi
Tudo o que seja matar e destruir dá-me sempre arrepios terríveis. E sobretudo algumas formas de matar. Infelizmente demorou mas cumpriu-se o meu escrito no sítio www.marcolinomoco.com, em Março deste ano: “nas coisas do poder político quem não liberta a sociedade com transparência e responsabilidade amarra-se a si mesmo ao comboio da hecatombe”.
Oiço muita gente aqui em Angola a dizer que aqui não vai acontecer “líbias”. Kadhafi e seus filhos também berraram que não lhes aconteceria “egiptos” nem “tunísias”. De facto o que lhes aconteceu não foi nem uma “tunísia” nem um “egipto”. Foi pior: uma “líbia” e daquele tamanho horroroso. Esses mesmo que gritam que “aquilo é perigoso, não pode acontecer aqui, vocês não devem aderir” não dirigem uma palavrinha só aos nossos actuais dignitários do poder que violam os direitos mais elementares e essenciais como a própria dignidade humana que é afinal o principal factor mobilizador de revoluções que tudo destroem e que ninguém de bom senso deve desejar. O problema de Angola é que começa a haver, de lados de barricadas, quem ache que já não há alternativa. Mas há: retomar com seriedade e consolidar com transparência o caminho da mudança transicional que iniciámos há cerca de vinte anos e que alguns pretendem interromper com palavras mansas e por vezes nem tanto.
http://marcolinomoco.com/

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