quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

Portugal. O Regresso à Censura*



Numa polémica crónica que suscitou o acto de censura, Rosa Mendes, um dos jornalistas portugueses que mais escreveu sobre a corrupção em Angola, recorda que a RTP “serviu aos portugueses” uma emissão especial em directo de Luanda “na qual desfilaram, durante duas horas, responsáveis políticos, empresários, comentadores de Portugal e de Angola, entre alguns palhaços ricos e figuras grotescas do folclore local”.

Pretória (Canalmoz) – Uma crónica a criticar o regime no poder em Angola, do jornalista Pedro Rosa Mendes, terá levado a RDP a acabar com o espaço de opinião «Este Tempo», da Antena 1, escreve o diário português, «PÚBLICO».
O jornalista Pedro Rosa Mendes confirmou ter sido informado, por telefone, que a sua próxima crónica, a emitir hoje, seria a última de sua autoria. “Foi-me dito que a próxima seria a última porque a administração da casa não tinha gostado da última crónica sobre a RTP e Angola”, diz o jornalista, por telefone, a partir de Paris.
“A ser verdade, esta atitude é um acto de censura pura e dura”, sustenta o jornalista, que aborda nessa crónica a emissão especial que a RTP pôs no ar na segunda-feira, 16 de Janeiro, em directo a partir de Angola. A chamada telefónica que serviu para anunciar-lhe o fim deste espaço de opinião foi feita por “um dos responsáveis da Informação” da Antena 1, continua o jornalista, que não quis especificar quem daquele departamento lhe comunicou aquela decisão.
Rosa Mendes critica a emissão do programa televisivo «Prós e Contras» da RTP feita a partir de Angola, com a participação do ministro português que tutela a comunicação social, o ministro-Adjunto e dos Assuntos Parlamentares, Miguel Relvas. Porém, o jornalista entende que “com tudo o que está em causa, foi uma crónica contida”. Aliás – prossegue –, a ser verdade que tenha sido dispensado por causa do teor desta crónica, essa decisão seria “muito estranha”, porque ele não foi “a única pessoa a ficar desagradada com a natureza e o conteúdo da emissão da RTP”. “Houve outras opiniões negativas nestes últimos dias”, aponta.
Em Lisboa, o gabinete do ministro Miguel Relvas, indagado pelo «PÚBLICO» declinou comentar o assunto, limitando-se a dizer que “é uma decisão exclusivamente do foro editorial da RDP”. O jornal português também questionou a administração da RTP, que respondeu por escrito: “A administração da RTP tem provas dadas, ao longo dos últimos anos, de não interferência na área editorial. Neste caso em concreto, a administração nem sequer tinha conhecimento do fim do contrato com o colunista Pedro Rosa Mendes”.
O director-geral da RTP, que tem igualmente a seu cargo a RDP, confirmou ao «PÚBLICO», por e-mail, que “foi decidido terminar com a série, e não apenas com o programa da autoria do Pedro Rosa Mendes”. A decisão, acrescenta, “já estava tomada há algum tempo, antes do referido programa ter sido emitido”, mas não especifica a data. “Os contratos dos colaboradores terminam dia 31 de Janeiro”, afirma Luís Marinho, que garante que a administração “nunca” o abordou “sobre este assunto, muito menos manifestando qualquer desagrado pela crónica referida”.
A crónica de Rosa Mendes (disponível em http://www.rtp.pt/play/?prog=3984&idpod=212287) foi emitida a 18 de Janeiro e integra um espaço de opinião que a Antena 1 tem, com o nome de «Este Tempo». É assegurado por cinco pessoas – Rosa Mendes, António Granado, Raquel Freire, Gonçalo Cadilhe e Rita Matos e, segundo Rosa Mendes, todos eles estariam a ser informados que a crónica vai acabar.
Na polémica crónica, Rosa Mendes começa por recordar que a RTP “serviu aos portugueses” uma emissão especial em directo de Luanda e à qual chamou «Reencontro» e “na qual desfilaram, durante duas horas, responsáveis políticos, empresários, comentadores de Portugal e de Angola, entre alguns palhaços ricos e figuras grotescas do folclore local”. “O serviço público de televisão tem estômago para muito, alguns dirão que tem estômago para tudo, mas o reencontro a que assistimos desta vez foi um dos mais nauseantes e grosseiros exercícios de propaganda e mistificação a que alguma vez assisti”, continua. Carregando nas críticas, o jornalista afirma que reencontrou nessa emissão, não um país irmão, mas “a falta de vergonha de uma elite que sabe o poder que tem e o exibe em cada palavra que diz”.
Rosa Mendes é um dos jornalistas portugueses que mais escreveu sobre a corrupção em Angola. Foi, aliás, alvo de dois processos judiciais por difamação, um dos quais por trabalhos editados pelo PÚBLICO e em que o queixoso era o Presidente angolano, José Eduardo dos Santos. O tribunal não deu razão ao líder de Angola, tendo a Justiça também decidido a favor de Rosa Mendes no outro caso, em que o queixoso era Arcadi Gaydamak, um milionário russo que tem passaporte angolano e foi acusado de vender armas a Angola.
Nos cinco minutos e 34 segundos que dura a crónica, Rosa Mendes conjuga dados relativos à economia e à política do país com citações de alguns outros especialistas que estudaram o que se passa naquele país, que usa uma “maquilhagem sofisticada”, da qual se destaca “o batom da ditadura, parafraseando o jornalista angolano Rafael Marques”. Este último, ou alguém como ele, teria de estar presente num programa que fosse um “reencontro digno para ambos os povos e ambas as audiências”, sustenta Rosa Mendes. Alguém “que chamasse corrupção à corrupção e não, quase a medo numa única pergunta – e passo a citar – ‘um certo tipo de corrupção’, como fez Fátima Campos Ferreira”, a jornalista que apresenta o referido programa da RTP e conduziu aquela emissão. (*) Título da responsabilidade do Canalmoz (Redacção / Público)
Imagem: partilhadosaber.blogspot.com
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