sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

Editorial. Que mais tem o “WikiLeaks” para nos revelar?


Maputo (Canalmoz) - Com a “bomba da WIKILEAKS”, na semana passada, altas figuras do nosso Estado, actuais e passadas, foram, pura e simplesmente “despidas”, no País e internacionalmente.
A Embaixada dos Estados Unidos da América, em Maputo, já veio a público, através do seu adido de Imprensa e Cultura, mais, através da Voz da América (VOR) – a emissora oficial do Governo de Washington – reconhecer que os “telegramas” que a “WikiLeaks” divulgou, são autênticos. Não o disse expressamente, mas ao lamentar a divulgação de documentos “confidenciais” deixou claramente subentendido que os documentos são verdadeiros, muito embora se saiba que subscritos pelo então chefe da missão diplomática em Maputo, agora colocado no Afeganistão, não tenham necessariamente que ter sido todos produzidos por Todd Chapman, o então encarregado de negócios na ausência de embaixador durante todo o primeiro mandato de Armando Guebuza como chefe de Estado. São, contudo, de facto despachos oficiais americanos, assinados pelo então chefe da missão em Maputo, que entraram no sistema de apreciação que aquele País faz dos outros, neste caso específico de Moçambique. E é de se ter em conta que se trata de “inside information” (informação secreta) que só veio a público por via de quem se propõe a manter o público informado – o WikiLeaks –, designadamente a opinião pública americana que agora certamente impedirá que este assunto fique entre quatro paredes e reservado apenas para pressão política.
Em primeira e imediata análise, o que sobreleva destes “telegramas”, que saíram a público aparentemente fugindo ao controlo da encriptação americana, é que eles falam de nomes de pessoas, de grandes figuras, do sistema político e empresarial moçambicano, enquanto de outras vezes os relatórios simplesmente se limitavam a dizer que Moçambique era um grande corredor de tráfico de droga; de tráfico de influências; e de corrupção.
Se o que vem expresso nos diferentes “telegramas” da diplomacia americana de Maputo para o seu Governo em Washington é verdade ou mentira, nós neste jornal não sabemos, mas não há dúvida absolutamente alguma, agora, que os “telegramas” dizem exactamente o que tem sido divulgado pelos mais variados órgãos de comunicação social do mundo inteiro e por diferentes estudos levados a cabo por cientistas moçambicanos, como é o caso do estudo levado a caso por Marcelo Mosse, do CIP, e do Instituto para Estudos de Segurança da África do Sul (ISS).
A verdade onde se apura? Na rua? Acreditando simplesmente em quem acusa? Dando-se mais crédito a quem está sob suspeição e diz que está inocente?
Não é verdade que os réus podem mentir até em audiência judicial?
Se os “acusados” se sentem prejudicados, porque não agem, internacionalmente, para limparem as suas imagens e a do País dadas as altas funções que ocupam ou ocuparam no Estado? Indemnizações chorudas, pela difamação, far-lhes-iam, naturalmente, muito jeito. Não é verdade?
Qual será a posição “patriótica” neste caso? Ficar calado? Ficar preocupado? Acusar os “gringos” de serem maus e “imperialistas”?
Então, em que ficamos? O que se vai seguir?
Estamos perante uma situação complicada em termos jurídicos, mas não há dúvidas que não basta que os – digamos – “acusados”, afirmem que estão inocentes.
Este escândalo já assumiu proporções tais que as razões deveriam ser dirimidas em instâncias judiciais.
Se não estão dispostos ou preparados para irem às instâncias judiciais internacionais limpar a imagem do País, pelo menos façam-nos um favor: publiquem já tudo o que foi assinado sobre Cahora Bassa com José Socrates – o amigo de Armando Vara que agora está ligado aos brasileiros no Corredor de Nacala que substituíram a INSITEC na SCDN.
Queremos transparência! Mostrem-nos que são transparentes e não têm nada que os comprometa, como fazia Samora Machel.
Não é só Cahora Bassa que é nossa. O Estado Moçambicano é nosso. Os recursos minerais são nossos de todos os moçambicanos. Por isso não venham como a ministra dos Recursos Minerais falar em confidencialidade dos contratos. A riqueza é dos moçambicanos. Não é só de alguns.
No caso das revelações da WikiLeaks estamos perante factos que não abonam favoravelmente a imagem de Moçambique no Mundo. O presidente da República e do partido no poder, o partido Frelimo, Armando Emílio Guebuza, é hoje visto, internacionalmente, como “cúmplice do narcotráfico”, “acumulador de riqueza não completamente justificada”, “beneficiário de comissões da reversão” da tal “Cahora Bassa” que “já é nossa”, e outras coisas mais que deixam a sua fotografia muito mal retocada. Infelizmente!
Joaquim Chissano e Luísa Diogo, que eram as tais figuras “exemplares”, também têm, agora, as suas fotografias manchadas e os seus CVs indiciados de “alta corrupção” e de envolvimento em negócios geralmente classificados como “sujos”.
O primeiro-ministro Aires Ali já se pronunciou e remeteu os jornalistas à embaixada americana em Maputo, alegando que as relações entre o Governo Americano e Moçambique “são muito boas”. “Sacudiu a água do capote”. Livrou-se da “batata quente”, como Judas se livrou de Cristo na hora da verdade. A preparar o futuro ou não, só mais tarde saberemos…
Chissano já veio dizer que as acusações são “falsas” e é “tudo mentira”.
Luisa Diogo estava até ontem mais calada do que o silêncio. E falou também para propor a política da rolha. Quem não deve não teme. “Vamos lá falar”. Porque não?
Manuel Tomé nem pia.
A INSITEC apareceu com alguns esclarecimentos, mas não foi capaz de apagar completamente o pó que paira em torno da sua imagem.
Domingos Tivane, director nacional de Alfândegas e proprietário de um instituto superior no “Belo Horizonte” de Boane, que cresce e cresce e ninguém interroga de onde vem o dinheiro, não fala. Nós gostaríamos que falasse e dissesse já, de sua justiça, o que tem para dizer. Afinal é um alto funcionário do Estado, o único que nos pode dizer se é verdade ou não que pelas nossas fronteiras transita droga e moeda, dólares, etc…; e como é que isso se opera (?). Limita-se a aceitar o que a Kudumba quer em vez de se impor? Isto tudo não trás mesmo água no bico?
O presidente da Autoridade Tributária, que ao ver “acusado” um seu subordinado, por sinal a principal figura no que respeita às importações e exportações de Moçambique, também ainda não falou, embora reconheçamos que Rosário Fernandes é um homem de grandes princípios e com forte carácter.
O ministro das Finanças, Manuel Chang, que tutela as Alfândegas, também ainda não falou do tráfico de drogas que necessariamente, a ser verdade que o nosso País é a “segunda” placa giratória de narcóticos em África, “depois da Guiné-Bissau”, só é possível devido à permissividade das autoridades fronteiriças e alfandegárias.
O recentemente nomeado ministro do Interior, que tem a seu cargo a guarda fronteira e a Migração, também ainda não desmentiu os “telegramas” americanos, nem recusou que Moçambique seja uma placa giratória de droga.
O ministro dos Negócios Estrangeiros, Oldemiro Balói, que também tem bom nome e tem feito muito em defesa da imagem do País a nível internacional, está também calado como as corujas, certamente apenas a prestar muita atenção ao evoluir deste escândalo.
A sociedade civil está congelada de medo e a suscitar que se pense ainda com maior propriedade que ela é parte do problema de tanto ser vista como entidade manipulada pelo poder instalado, salvo excepções. Ou então está a organizar-se para estar a jeito quando nos vierem tentar lavar a cabeça com mais umas consultorias sobre o narcotráfico e as suas implicações democráticas…
A União Europeia e os representantes dos seus estados membros, também continuam quedos e mudos, embora nos estudos que têm encomendado se reconheça que o problema da corrupção e do narcotráfico, é sério. Nada fazem com as evidências dos estudos, a não ser aumentar os orçamentos que alimentam a “farra” e continuar a produzir relatórios de que o nosso país é “um caso de sucesso”. Porquê?
Será que estes “telegramas” dos seus aliados americanos vão acordar a Europa ou simplesmente estão também com receio de que o que o WikiLeaks ainda tem na manga os possa embaraçar?
Da Procuradoria Geral da República e da Unidade Anti-Corrupção também nada se ouviu a não ser a sirene dos seus cortejos de automóveis e as suas participações em altos banquetes do Estado e “parcerias estratégicas”. Pobre procuradoria e unidade anti-corrupção!...Para que servem? Simplesmente para defenderem os tachos e “mamarem” os impostos dos contribuintes moçambicanos? Será que a questão é só o que os americanos pensam de altas figuras do Estado e de certos empresários moçambicanos? Terá a PGR independência suficiente para investigar os indícios e afirmar aos moçambicanos e ao mundo que tudo o que a embaixada americana em Maputo reportou ao Governo americano em Washington é mentira e nada, nem parecido, acontece em Moçambique?
Os partidos da oposição levaram tempo a falar. A Renamo falou, chamando à bancada da Frelimo, a “bancada do narcotráfico”. Mas até certa altura só falou o deputado Milaco. E mesmo este só após a provocação do deputado da Frelimo, Galiza Matos Júnior. Só vários dias depois, mais propriamente esta quarta-feira, a Renamo em si começou de facto a dar um ar da sua graça.
O MDM depois de perguntarmos, no Canal de Moçambique, se não tinham nada para dizer, lá começou a exigir explicações e a mostrar a sua utilidade como alternativa política ao partido Frelimo de que agora se sabe que juízo faz dele o aparelho americano. Parece que acordaram. Estamos cá para ver se não foi só por parecer mal estarem calados que se dignaram finalmente a agir. De oposição parlamentar ociosa parece que perceberam finalmente que têm que se fazer ouvir. Têm vindo sempre a publico queixar-se de que a Frelimo não os deixa intervir na Assembleia da República, alegadamente por causa do fundo de tempo, mas parece que finalmente perceberam a sua utilidade como oposição.
A oposição não pode deixar Moçambique cair por causa do comportamento de que estão indiciadas altas figuras do Estado a quem o FMI tem dado o seu aval como destinatário de importantes empréstimos financeiros.
Estamos cá também para ver o que mais ainda nos reserva o “WikiLeaks” que, de quase um milhar de documentos que se diz ter de Moçambique, ainda apenas fez “pingar” quatro.
Será que não há mesmo provas que irão deixar-nos a todos espantados?
“A procissão ainda vai no adro”.
Que fim irá ter esta novela?

(Canalmoz / Canal de Moçambique) 2010-12-17 06:28:00

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