Maputo (Canalmoz/Canal de Moçambique) - O litigio com o Malawi sobre a navegabilidade do Rio Zambeze pode parecer apenas uma questão de soberania. Naturalmente uma questão pura e simples de soberania facilmente nos empolga como moçambicanos. Como empolga qualquer povo. Mas a euforia é perigosa, porque pode ocultar outro tipo de questões em que conflituem interesses do Estado e Privados.
Se os cidadãos se distraírem e relaxarem o seu sentido de cidadania, corremos o risco de nos surpreendermos com o Governo moçambicano do dia. Alguém nas suas competências, disfarçado, a decidir em função de eventuais interesses particulares, escondido atrás da “Pátria Amada” e da “auto-estima”, para fazer valer as suas aspirações acumulativas, fazendo habilidosamente passar-me por cidadão acima de qualquer suspeita, pode estar antes, de forma muito inteligente, de facto a puxar a ração ao seu pato.
Pode-se estar em presença de mais um caso em que vem a propósito lembrarmo-nos do adágio popular: “com a verdade me enganas”.
A pergunta que anda aí é se a questão da navegabilidade do Zambeze está mesmo bem contada. Já para não falar dos documentos publicados pelo SAVANA que deixam a crer que ou nas nossas instituições andam todos loucos, ou já não se pode confiar nas nossas instituições, ou os ministros entre um copo e uma reunião já começam a ter lapsos perigosos de memória.
As dúvidas neste caso, que nos querem fazer crer tratar-se de um mero caso de soberania, são muitas. Aparecem porque há pessoas com responsabilidades políticas a alto nível do Estado que têm interesses privados em empreendimentos que beneficiarão ou perderão consoante a posição que, em nome do Estado, o Governo tome. E aqui a questão já não é só a navegabilidade dos rios Chire e Zambeze – rios que misturam as suas águas nas proximidades de Inhangoma, entre Tete, Zambézia e Sofala, sob o olhar sereno da imponente Montanha da Morrumbala – o ponto mais alto do País – onde termina a cordilheira dos Libombos e onde há séculos as pretensões do Império de Gaza começavam a diluir-se perante a influência do Império da Marávia.
São também os interesses conexos de quem tem o mandato de decidir em nome do Estado, que levantam dúvidas. As participações em empresas. Os portos.
Quando se coloca a questão de beneficiar ou perder em função da decisão, às vezes o gato esquece-se que tem o rabo de fora. Com os patos acontece o mesmo…
A ida do ministro dos Transportes e Comunicações, Paulo Zucula, ao Malawi para a inauguração do tal porto fluvial de Nsanje, deixa-nos a pensar: que questão de soberania é esta que tendo feito o presidente Guebuza não ir, não foi suficiente para que não fosse lá ninguém do Governo? Afinal era uma jogada pessoal ou uma questão mesmo Nacional? E se era uma questão nacional o ministro Zucula foi lá fazer o quê? Estamos em presença de um traidor?
Quando não havia caminhos-de-ferro navegava-se no Zambeze e o ecosistema foi preservado até aos dias de hoje. Não há desenvolvimento com risco zero para a natureza, lembrava há anos o Dr. Mário da Graça Machungo quando se tratava de contornar a gritaria em torno da Mozal, que acabou quase por obra do espírito santo quando os mais acérrimos vociferadores ecológicos foram convidados a aderir à causa das vantagens.
No Zambeze já se navegou ainda não há muito para se escoar melaço da Açucareira de Marromeu para o Chinde por forma a realizar dólares para financiar armamento usado na guerra civil e para se tentar superar a crise quando os dirigentes que ainda hoje temos eram contra o capitalismo.
Quem sabe o que era e é a “Zambeco”, que também é ou era concessionária da Ilha Salia, no delta do grande rio, sabe do que estamos a falar.
Foi até um sobrinho do dono da Zambeco, holandês, que entretanto foi corrector de açúcar em Manhattan, que orientou a operação coordenada a partir da Beira.
Lembrar-se-á, certamente – se não, é para avivar memórias que também servem os jornais – quem hoje nos fala de soberania e estudos de impacto ambiental no Zambeze para se determinar a navegabilidade do Rio, que nos anos oitenta encalhou na foz do Zambeze, junto ao farol do Tímbuè, no Chinde, o cargueiro Castle Glory. O engenheiro Óscar Carvalho, o da Conseng, será capaz de contar melhor esta história porque era na altura o director nacional de Transportes Marítimos e Fluviais. Amílcar Pacheco, esse grande homem das capitanias, já nos deixou. Mas ainda andam por aí, agora ligados ao negócio do Cajú, antigos pilotos da Força Aérea Moçambicana, dos hélios, que podem também falar um pouco do que preocupava em tempos o governo do dia quando as coisas da navegabilidade do Zambeze corriam mal.
Mas a navegabilidade do Zambeze vem do tempo de Livingston, cuja esposa até está sepultada na zona. As dúvidas podem ser tiradas pela historiadora Maria da Luz Prata Dias que até escreveu recentemente uma peça publicada na maravilhosa revista Índico das Linhas Aéreas de Moçambique, exactamente onde aflora esta questão.
A acrescentar a esta conversa toda queremos também perguntar para que serve afinal a SADC? É para ser construída ou é para simplesmente alimentar jogos políticos de senhores que querem usar os seus mandatos para fazerem coisas como as que criticam nos outros, como foi o caso de George Bush filho pelo que fez no Iraque?
Mas está bem, dúvidas temos todos. Por isso perguntamos: Zambeze: uma questão de soberania ou de mais ração para os criadores de patos?
(Canalmoz / Canal de Moçambique) 2010-11-04 06:28:00
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