As várias investigações, produzidas sob os auspícios da Maka, têm gerado um interesse cada vez maior na denúncia de novos casos de corrupção, como era desiderato do projecto.
Rafael Marques de Morais
makaangola@gmail.com
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O último caso, a bater à porta da Maka, sumariza o papel do investimento estrangeiro no aumento, consolidação e institucionalização dos esquemas de corrupção, em parceria com a liderança política do país. Trata-se do “distribuidor geral da Mercedes-Benz para a Daimler em Angola”.
A 12 de Junho de 2009, o ministro de Estado e chefe da Casa Militar da Presidência da República, General Manuel Hélder Vieira Dias Júnior “Kopelipa”, criou, como sócio maioritário (40%), a empresa Auto-Star Angola. Ao director-adjunto do Gabinete de Reconstrução Nacional (GRN), Manuel José Cardoso do Amaral Van-Dúnem, e ao fiel depositário dos negócios do general, Manuel Domingos Inglês, cabe uma quota de 10% cada. Por sua vez, os empresários Herculano Adelço de Morais e António de Lemos, têm respectivamente 30% e 10% das quotas da sociedade.
Acresce que o website do grupo belga Societé de Distribution Africain (SDA) confirma a criação da Auto Star com o propósito de estabelecer “uma parceria belga e angolana que oficialmente representa a Mercedes e a Evobus, em Angola”. Apresentada como subsidiária da SDA, a Auto Star Angola, segundo o website, dispõe de uma moderna infrastrutura na zona industrial de Viana, com um espaço de 2,000 m², que alberga escritórios, oficinas e stands de venda. A brochura de apresentação da empresa refere que a mesma ocupará uma área total de 89,000 m² com instalações “projectadas pelo Gabinete de Arquitectura da Mercedes-Benz”. O referido espaço está situado na Zona Económica Especial, em Viana, Luanda, sob implementação e jurisdição do Gabinete de Reconstrução Nacional (GRN). Até Abril passado, o General Kopelipa dirigiu o GRN, enquanto Manuel Van-Dúnem, o outro sócio da Auto Star Angola se mantém como director-adjunto deste órgão.
Os sócios estrangeiros e a lei
A Societé de Distribution Africaine é um grupo criado pelo belga Philippe de Moerloose, o seu CEO. O Relatório do Painel de Peritos sobre a República Democrática do Congo, de Novembro de 2009, mencionou Philippe de Moerloose por violação à Resolução do Conselho de Segurança das Nações Unidas (nº 1807, a, 5) de 2008. [1] A referida resolução estabelece que qualquer remessa de armas ou material afim, para a RDC, deve ser comunicada antecipadamente às Nações Unidas, de acordo com o seu mandato sobre a missão de paz neste país.[2] O empresário belga, segundo o relatório, detém 70% das acções da Hewa Bora Airways, usada no transporte de armas e munições, em 2008 e 2009, para o exército congolês. O mesmo Phillipe de Moerloose também é citado na qualidade de presidente-fundador da Demimpex, empresa que serviu de intermediária na venda de veículos militares ao governo congolês, em 2008. Os peritos confirmaram junto das autoridades belgas que esta empresa, ora associada à Auto Star Angola, não tinha qualquer licença para importação, exportação ou trânsito de armas, munições, equipamentos militares e tecnologia afim. De acordo com o grupo, a legislação belga, sobre intermediação, aplica-se aos seus cidadãos e empresas, independentemente da passagem ou não de material militar pelo seu território.
Como parte da promoção dos interesses comerciais alemães em Angola, o embaixador alemão no país, Jorgen-Werner Marquardt, concedeu uma entrevista ao Semanário Económico, a 12 de Agosto de 2010. Esta publicação pertence ao Grupo Media Nova, cujo proprietário é o General Kopelipa, em sociedade paritária com o seu actual conselheiro, General Leopoldino Fragoso do Nascimento, e o presidente do Conselho de Administração e director-geral da Sonangol, Manuel Vicente.
Durante a entrevista, Jorgen-Werner Marquardt destacou a implantação da indústria automóvel alemã no país, como o sector mais importante de investimentos: “A Mercedes abriu agora em Viana com um espaço de manutenção e venda. Espero brevemente visitar o local. E poderá vir a fazer montagens de camiões num espaço de 500 hectares. Há também em marcha um projecto semelhante da Volkswagen”.
A Auto Star Angola tem como presidente do seu Conselho de Administração, Jörgen Nührmann. Este, entre outros cargos exercidos na Daimler, a empresa-mãe da Mercedes-Benz, foi director de pós-vendas no México.
Do ponto de vista legal, a actual Lei da Probidade estabelece, como acto conducente ao enriquecimento ilícito (Artº 25, 1, a), o recebimento de vantagem económica, através de percentagem em negócio, por parte de um agente público. Este é o caso do General Kopelipa e de Manuel José Cardoso do Amaral Van-Dúnem que, decorrente das suas atribuições no Gabinete de Reconstrução Nacional, amparam o negócio da Auto Star. Por sua vez, a SDA e a Mercedes-Benz incorrem em actos de corrupção activa de agentes públicos angolanos conforme estipulado no Artigo 21 do Código Penal angolano. Os investidores estrangeiros, regra geral, ignoram a legislação contra a corrupção devido ao poder da impunidade circunstancial que contraem ao se associarem às figuras mais abusivas e corruptas do regime. Todavia, a legislação angolana também incorpora tratados internacionais contra a corrupção, como a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção. A Bélgica, país de origem da Société de Distribution Africaine (SDA), é signatária da mesma convenção, desde 25 de Setembro de 2008.
A Lei da Probidade prevê (Artº 31, 1, b) várias sanções, como a reintegração patrimonial, perda da função pública e bens adquiridos de forma ilícita por parte dos agentes públicos envolvidos. A lei (ibid.) estabelece ainda, como medida punitiva, a proibição de contratar com entidades públicas, sendo aplicável à Auto Star Angola.
Conclusão
A relação da indústria automóvel alemã, com o tráfico de influência em Angola, tem um antecedente grave no caso da Volkswagen. Através da Resolução n° 39/04, o Conselho de Ministros autorizou, a 23 de Dezembro de 2004, a Agência Nacional de Investimentos Privados (ANIP) a celebrar um contrato de investimentos com a empresa americana Ancar World Investments Holding, para a instalação de uma fábrica de montagem de viaturas Volkswagen e Skoda, em Viana, Luanda, num investimento avaliado em 48 milhões de dólares. O acordo, assinado a 26 de Janeiro de 2005, incluia um compromisso de cedência de 49% das acções da Ancar a cinco entidades angolanas, nomeadamente:
Acapir Lda., empresa da filha do Presidente da República, Welwitchia dos Santos, vulgo Tchizé dos Santos;
Mbakassi & Filhos, representante oficial da Volkswagen em Angola;
GEFI, empresa do MPLA;
Suninvest, braço de investimentos da Fundação Eduardo dos Santos (FESA), instituição privada do Presidente da República;
Tchany Perdigão Abrantes, prima da filha do Presidente da República.
O empresário António Mosquito protestou contra a cedência arbitrária de 16% das acções que cabiam à sua empresa, Mbakassi & Filhos, a Tchizé dos Santos que, por sua vez, assumiu o cargo de vice-presidente do Conselho de Administração da Ancar – Automóveis de Angola.
Com o propósito de dirimir a disputa, o presidente da Fundação Eduardo dos Santos (FESA), Ismael Diogo, realizou um encontro, na sede da fundação do presidente, “na qualidade de mandatário de Sua Excia, o Presidente da República Eng. José Eduardo dos Santos, para esclarecimento das circunstâncias e veracidade de que a participação na sociedade ‘Ancar – Automóveis de Angola’ da ACAPIR Lda. se devia ao facto de uma sócia ser filha do Chefe de Estado para a obtenção de favores deste para aprovação do projecto de investimento da Ancar Worldwide Investments Holding (…)”
A reunião, segundo a acta, concluiu que, “Em momento nenhum a Ancar Worldwide Investments Holding justificou a oferta de 16% a ACAPIR Lda. ao facto de dela ir beneficiar de favores de Sua Excia. o Presidente da República na aprovação do projecto”. Como consequência, a presidência da Volkswagen, de acordo com informações veiculadas pela imprensa alemã, em Julho de 2005, protelou a execução da linha de montagem de viaturas, em Angola. O relatório MPLA, Sociedade Anónima providencia mais detalhes sobre o caso e pode ser lido em http://makaangola.com/wp-content/uploads/MPLA-Sociedade-anonima.pdf).
Como revelou um analista político angolano, que prefere o anonimato, “quando se trata de negociar com o regime angolano, os investidores estrangeiros não querem ficar de fora dos esquemas de corrupção”.
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