sábado, 20 de novembro de 2010

O idioma como força moral


Nunca fomos senhores do nosso destino.
Nunca fomos senhores do nosso destino. Tutelados, historicamente, pela Inglaterra, pela Espanha e pelos Estados Unidos, fomos aculturados pela França e com a cultura francesa temos vivido. Devo dizer aos meus Dilectos que sou francófilo e francófono. E penso que a ofensiva, digamos assim, anglo-saxónica, tem mais a ver com grandes interesses económicos, com hegemonia política, do que com estratégias intelectuais.

Baptista Bastos
b.bastos@netcabo.pt
http://www.jornaldenegocios.pt/home.php?template=SHOWNEWS_V2&id=454691

Liga-se a rádio, vê-se televisões, abrem-se os jornais e o que se entende por expressão europeia deixou, praticamente, de desaparecer. A interpenetração de culturas faz parte do nosso código genético. E quando uma cultura se defende, se isola, está irremediavelmente condenada. Em tempos, acendemos o lume em tudo o que era sítio de poiso e de esperança. Dormimos com pretas, chinesas, pardas, num festa imemorial, abrindo um leito de nações de que nos devemos orgulhar. É claro que o "descobridor", o conquistador, são invasores implacáveis. As atrocidades que praticámos pertencem aos domínios da moral da época, que a moral de hoje condena e vitupera. Fomos o que fomos: racistas e assassinos; mas, também, amantes generosos, parceiros de construção, um pouco santos um pouco anacoretas. Mas todos procurávamos, apenas, melhores dias, melhor vida e um pouco de felicidade.

Tivemos, quase sempre, o azar de não dispormos de dirigentes à altura dos nossos sonhos. E, como somos resignados e cabisbaixos, temos aceitado a canga com uma desistência que roça a demissão. Pegamos toiros à unha, matamos por um veio de água, mas quedamo-nos num quietismo cívico quando o cerco se aperta. E aguentámos a tortura das polícias políticas; a censura; a delação; movemo-nos na clandestinidade com coragem e valentia sem par; fugimos do medo e da fome e por aí fora estamos, cerca de cinco milhões, metade da população recenseada.

Três séculos de Inquisição e cinquenta anos de fascismo poderiam aniquilar um povo. Não o conseguiram, apesar de tudo. A força que nos move é superior a todas as alianças espúrias e a todos os interesses cavilosos. Quiseram, com a Inglaterra, a Alemanha, a Espanha, a França, cada uma por sua vez e, ocasionalmente, todas à uma, passar-nos uma rasteira, na tentativa de que nos estatelássemos ao comprido. Temo-nos erguido e soerguido. E regressamos à nossa tradicional conformação.

Mas continuamos. Mas persistimos. Colocámos o espigão da língua nas sete partidas do mundo e deixámo-la ir livre. Assim seja. Parece-me é que estas minudências deixaram de suscitar o interesse e a curiosidade activa da esmagadora maioria dos nossos compatriotas. Se a História de Portugal fosse mais conhecida a aprofundada acaso as coisas que nos rodeiam não seriam tão torpes. Basta escutar os políticos que aí estão para nos apercebermos da mediocridade impante.

A reunião da NATO poderia ser um acontecimento oportuno para se dilucidar alguns problemas de ordem cultural. Nada disso. O que a Imprensa tem escrito, as rádios têm dito e as televisões têm apresentado relevam da mais atroz leviandade, para não dizer ignorância. Que devemos às nações representadas por aqueles senhores? E que sabem aqueles senhores de nós, a não ser que, nos Açores, somos um porta-aviões dos Estados Unidos, e um país que a esmagadora maioria deles confunde com a Espanha.

Estamos todos separados uns dos outros. Não há laços sociais ou culturais. Há, isso sim, grandes interesses económicos dissimulados em actos e pronunciamentos políticos, mais ou menos vácuos e sem direcção nem sentido. A tensão nas finanças públicas, em todo o mundo, resulta da necessidade de o sistema se manter a todo o custo. Nada disto é dito, esclarecido, estudado e analisado. Possuímos alguma força? Talvez a da língua. Mas quem liga a esse pequeno pormenor?

Morte de um grande português
Tardiamente tomei conhecimento da morte do prof. Jacinto Simões. Este homem admirável, generoso, culto, da estirpe dos nossos maiores, foi não só um médico de competência invulgar como um intelectual extremamente bem informado. No seu consultório, na avenida Infante Santo, passaram todos aqueles que dos seus serviços precisavam, e da sua generosidade careciam. E, também, alguns dos nomes mais significativos da literatura, da política, das artes, do cinema portugueses. Quando José Saramago recebeu o Nobel, em Estocolmo, o prof. Jacinto Simões e eu fomos do grupo reduzido de convidados a assistir à belíssima cerimónia. Nesses dias, a minha convivência com ele tornou-se mais profunda, e tive a oportunidade de conversar com um ser luminoso, cheio de humor e de humanismo, a que não faltava uma substancial e subtil dose de sarcasmo. Devia esta modesta homenagem ao grande português, professor emérito, que frequentei como doente, como amigo e como ouvinte atento.


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