quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Obiango e a UNESCO - Inocência Mata


Lisboa - A Guiné-Equatorial volta a estar na ribalta, pelo menos nas preocupações de certos analistas, depois da encenação da adesão á CPLP, pelo facto de, finalmente, a UNESCO ter decido adiar sine die a efectivação do Prémio UNESCO-Obiang Nguema Mbasogo para a pesquisa na área das Ciências da Vida.

Fonte: SA CLUB-K.NET

Para quem anda distraído, lembro que este foi um prémio proposto pelo presidente Teodoro Obiang Nguema Mbasogo, da Guiné-Equatorial, à UNESCO, que é uma Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura, no valor de três milhões de dólares (cerca de 2,3 milhões de euros). Um prémio cuja primeira edição a UNESCO preparava-se para promover já em Junho passado não fora a pressão de grupos cívicos, ONG e organizações de direitos humanos, e cidadãos individuais, por exemplo numa carta subscrita por 125 intelectuais africanos, entre os quais Desmond Tutu e as suas duas fundações, Wole Soyinka, Chinua Achebe, Kwame Karikari ou Graça Machel para além de dezenas de intelectuais equato-guineenses espalhados pelo mundo inteiro (pois a Guiné-Equatorial tem uma das mais portentosas diásporas intelectuais da África, vai-se lá saber porquê!) – ah, e todos africanos, note-se, não vá alguém, como o ministro dos Negócios Estrangeiros equato-guineense, lembrar-se de que a recusa do prémio se deveu ao facto de o seu promotor ser africano; mas também intelectuais latino-americanos subscreveram um manifesto contra este prémio, como o recém-nomeado Nobel da Literatura Vargas Llosa, o guatemalteco e norte-americano Francisco Goldman, o colombiano Fernando Rendón, a costa-riquenha Tatiana Lobo, o chileno Alejandro Jodorowsky, o panamense Omar Jaén Suárez, ele próprio funcionário da UNESCO.


Mas vamos à questão principal. O prémio tem a finalidade de incentivar a pesquisa no âmbito das “ciências da vida”, a saber, a medicina, a biologia, a genética, as neurociências, a paleontologia e a farmacologia. Aquilo de que o mundo e a África particularmente, com o seu cotejo de doenças pouco importantes para o mundo dito desenvolvido, tanto necessita. Seria óptimo, pensarão as pessoas e esta foi a pergunta que me fez um jornalista que me solicitou um comentário sobre esta recusa ocorrida na semana passada pelos 58 membros do Conselho Executivo da UNESCO (que, no entanto, não encerrou a questão: vale lembrar que a decisão contempla a continuação “[d]as consultas com as partes interessadas num espírito de respeito mútuo até que se chegue a um consenso” – que o mesmo é dizer: não põem de parte a hipótese de aceitar o dinheiro). Pois bem, o jornalista perguntou-me em jeito, julgo, de provocação: mas então isso não seria bom para a África? Claro que é, ninguém discorda da importância e da necessidade desse dinheiro. Lembrei-me da minha oposição – e da oposição de larga maioria das pessoas deste mundo quando foi da invasão do Iraque: mas então o homem, Saddam Hussein, não é um ditador, um torcionário?! Por que se opõem vocês a uma invasão? Aqui, o raciocínio é da mesma natureza e vou explicitá-lo:

1. Como pode uma organização como as Nações Unidas que, por muitas críticas que se lhe façam, é ainda uma organização credível, aceitar patrocínios de governantes sem saber qual é a origem desse dinheiro?

2. Como pode uma organização como as Nações Unidas ligar o seu nome a um governante que é ostensivamente um dos maiores ditadores (lembre-se que ainda em Agosto mandou executar quatro antigos colaboradores acusados de conspiração) africanos e um dos homens mais ricos do mundo (a revista Forbes coloca-o no 8º lugar) que governa um dos países mais pobres do mundo?

3. Como pode uma organização como as Nações Unidas participar no mascaramento, na lavagem da face de um dos mais musculados regimes do continente africano?

4. A saúde e o ensino na Guiné-Equatorial andam pelas ruas da amargura; as universidades não têm o apoio do Estado; os jovens não têm perspectivas de uma vida melhor. Isto é, além de na terra do promotor do prémio as universidades e investigação não terem o apoio que Obiang quer oferecer à UNESCO, a mortalidade infantil é altíssima, ocupando a Guiné-Equatorial um “honroso” 175º lugar em 195 países. Se o presidente tem tanto dinheiro disponível, por que não investir na melhoria da vida dos seus compatriotas?

Inocência Mata
Inocênciamata2009@gmail.com

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