sábado, 22 de dezembro de 2012

A atração pelo abismo


Há quem fique na história sem nunca necessitar dos dez minutos de fama a que todos têm direito, segundo Andy Wharol. E há quem passe ao lado da história porque não consegue viver sem o "barulho das luzes" e não percebe que essa atração lhe é fatal.

Por FILOMENA MARTINS http://www.dn.pt


E que todo o poder que tem, teve ou possa vir a ter fica completamente ofuscado com essa obsessão. Veja-se Álvaro Santos Pereira. Quando as gafes o obrigam a hibernar da ribalta, as suas capacidades técnicas e conhecimentos económicos (que os tem) sobressaem. O acordo de concertação e a possível redução do IRC negociado na UE são obras suas, ambas relevantes para o País, tal como o projeto de industrialização. Mas do que todos se lembram é do "tratem-me por Álvaro", da ideia de exportação de pastéis de nata ou agora do "que se lixe o ambiente". Miguel Relvas é outro caso semelhan- te, ainda que de contornos diferentes. Por mais casos polémicos em que se veja envolvido, semanas depois o ministro (cuja posição no Governo nunca foi "oficializada" por Passos Coelho, mas que todos desconfiam estar pelo menos a par da de Vítor Gaspar) recompõe-se e decide opinar sobre tudo e mais um par de botas. Ninguém lhe disse, ou diz, que o poder tem-se, não se exibe. E como não resiste à ribalta, parece um íman a atrair problemas. Até na questão do não negócio da TAP teve de se ver envolvido. Claro que é normal membros do Governo, como ele justificou (necessidade que por si própria já é má), falarem com investidores interessados em Portugal. O que já não é tão normal é ser o ministro dos Assuntos Parlamentares e não o da Economia, ou, vamos lá, o dos Negócios Estrangeiros, a fazê-lo. E, já agora, para que não se chegasse ao dia D com o candidato único com quem discutiu o negócio, podia ter falado - e convencido - muitos outros. De preferência, dos que dessem todas as garantias. Pelo menos as bancárias.
A política dos recados
Não sei se as duras palavras de Passos Coelho sobre as pensões milionárias eram para Cavaco Silva, Eduardo Catroga, Manuela Ferreira Leite, Bagão Félix ou qualquer outro alvo identificado pelos seus assessores. Mas sei que se dirigia a uns poucos - entre eles os citados - dos que estão entre os três a cinco mil reformados que em Portugal recebem mais de 5 mil euros por mês. Os únicos cujas reformas são a exceção no sistema progressivo da Segurança Social do País (recebe-se em função do que se descontou e do tempo em que se fez esses descontos): os políticos. O primeiro-ministro pode até ter razão em pedir mais sacrifícios aos visados. E até concedo se as palavras se basearam no populismo fácil que inundam a nossa política. O que é inadmissível a um primeiro-ministro é que tenha usados as suas palavras, sempre subjetivas, para mandar recados ou pressionar quem quer que fosse, Presidente incluído. O tema é importante e delicado. Quem recebe essas pensões ou pagou por elas ou está legitimado pela lei em vigor na altura. A um primeiro-ministro, ainda mais nos tempos em que vivemos, pede-se que seja claro e direto e não que use indiretas para atingir quem quer que seja. Muito menos que deixe o País à espera das traduções de domingo à noite na TVI, quando Marcelo Rebelo de Sousa se lança às canelas de quem mais lhe interessar. Passos Coelho parece que só sabe governar assim, partindo o país em fações. Voltou a pôr parte dos portugueses contra outra parte. Desta vez reformados (alguns deles) contra trabalhadores. Acha que se deve dividir para reinar. A história está cheia de exemplos em que tal estratégia correu muito mal.
Uma oposição bipolar
A decisão de Cavaco Silva sobre o Orçamento do Estado é politicamente inteligente. Um pedido de fiscalização preventiva deixaria o País sem o Orçamento com graves problemas internos e uma catastrófica imagem externa que lhe seriam cobrados. Promulgando e pedindo a fiscalização sucessiva, mesmo que o Tribunal Constitucional chumbe algumas das medidas, pode sempre dizer com argumentos de estadista que colocou o bem do País acima das suas dúvidas, sem, como lhe compete, ter desistido de colocar essas interrogações. As pressões de Passos Coelho, ainda que inadmissíveis - volto a sublinhar -, são politicamente compreensíveis. Um novo veto do TC a qualquer das medidas fundamentais do documento (pensões, IRS...) deixá-lo-á sem nenhuma margem de manobra: ficará socialmente desacreditado, financeiramente em desespero por ter de encontrar encaixes quando já nada há a espremer e internacionalmente perante a necessidade de pedir um segundo resgaste. A atitude bipolar de António José Seguro, essa, é politicamente assassina. O líder do PS que há semanas garantia (e bem) que não ia pressionar o Presidente sobre o Orçamento e que, coerentemente, não levou o partido a tomar a iniciativa de pedir a fiscalização sucessiva, não pode, em contraciclo, apoiar os deputados socialistas que o façam. É jogar à defesa. É não arriscar não estar do lado dos vencedores, como da última vez. É puro aproveitamento: se for dada razão ao "recurso", colherá os louros; senão, não será nada com ele. Quando a possibili- dade de eleições antecipadas é tão grande (nem vale a pena explicar porquê), o que se espera do principal líder da oposição é que apresente medidas concretas e tenha preparado um governo-sombra, pronto para assumir o comando do País a qualquer momento. E não basta dizer que está preparado, é preciso estar mesmo. De impreparação absoluta e consequente "andar às aranhas" já temos o exemplo em curso. E se até o PSD parece estar a antecipar-se ao que aí vem (vide as últimas posições apresentadas por Jorge Moreira da Silva), como é que este PS continua a não apresentar provas de que é uma real alternativa.

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