Há quem fique na história sem nunca
necessitar dos dez minutos de fama a que todos têm direito, segundo Andy
Wharol. E há quem passe ao lado da história porque não consegue viver sem o
"barulho das luzes" e não percebe que essa atração lhe é fatal.
Por FILOMENA
MARTINS http://www.dn.pt
E que todo o poder que tem, teve ou possa vir
a ter fica completamente ofuscado com essa obsessão. Veja-se Álvaro Santos
Pereira. Quando as gafes o obrigam a hibernar da ribalta, as suas capacidades
técnicas e conhecimentos económicos (que os tem) sobressaem. O acordo de
concertação e a possível redução do IRC negociado na UE são obras suas, ambas
relevantes para o País, tal como o projeto de industrialização. Mas do que
todos se lembram é do "tratem-me por Álvaro", da ideia de exportação
de pastéis de nata ou agora do "que se lixe o ambiente". Miguel
Relvas é outro caso semelhan- te, ainda que de contornos diferentes. Por mais
casos polémicos em que se veja envolvido, semanas depois o ministro (cuja posição
no Governo nunca foi "oficializada" por Passos Coelho, mas que todos
desconfiam estar pelo menos a par da de Vítor Gaspar) recompõe-se e decide
opinar sobre tudo e mais um par de botas. Ninguém lhe disse, ou diz, que o
poder tem-se, não se exibe. E como não resiste à ribalta, parece um íman a
atrair problemas. Até na questão do não negócio da TAP teve de se ver
envolvido. Claro que é normal membros do Governo, como ele justificou
(necessidade que por si própria já é má), falarem com investidores interessados
em Portugal. O que já não é tão normal é ser o ministro dos Assuntos
Parlamentares e não o da Economia, ou, vamos lá, o dos Negócios Estrangeiros, a
fazê-lo. E, já agora, para que não se chegasse ao dia D com o candidato único
com quem discutiu o negócio, podia ter falado - e convencido - muitos outros.
De preferência, dos que dessem todas as garantias. Pelo menos as bancárias.
A política dos recados
Não sei se as duras palavras de Passos Coelho
sobre as pensões milionárias eram para Cavaco Silva, Eduardo Catroga, Manuela
Ferreira Leite, Bagão Félix ou qualquer outro alvo identificado pelos seus
assessores. Mas sei que se dirigia a uns poucos - entre eles os citados - dos
que estão entre os três a cinco mil reformados que em Portugal recebem mais de 5
mil euros por mês. Os únicos cujas reformas são a exceção no sistema
progressivo da Segurança Social do País (recebe-se em função do que se
descontou e do tempo em que se fez esses descontos): os políticos. O
primeiro-ministro pode até ter razão em pedir mais sacrifícios aos visados. E
até concedo se as palavras se basearam no populismo fácil que inundam a nossa
política. O que é inadmissível a um primeiro-ministro é que tenha usados as
suas palavras, sempre subjetivas, para mandar recados ou pressionar quem quer
que fosse, Presidente incluído. O tema é importante e delicado. Quem recebe
essas pensões ou pagou por elas ou está legitimado pela lei em vigor na altura.
A um primeiro-ministro, ainda mais nos tempos em que vivemos, pede-se que seja
claro e direto e não que use indiretas para atingir quem quer que seja. Muito
menos que deixe o País à espera das traduções de domingo à noite na TVI, quando
Marcelo Rebelo de Sousa se lança às canelas de quem mais lhe interessar. Passos
Coelho parece que só sabe governar assim, partindo o país em fações. Voltou a
pôr parte dos portugueses contra outra parte. Desta vez reformados (alguns
deles) contra trabalhadores. Acha que se deve dividir para reinar. A história
está cheia de exemplos em que tal estratégia correu muito mal.
Uma oposição bipolar
A decisão de Cavaco Silva sobre o Orçamento
do Estado é politicamente inteligente. Um pedido de fiscalização preventiva
deixaria o País sem o Orçamento com graves problemas internos e uma
catastrófica imagem externa que lhe seriam cobrados. Promulgando e pedindo a
fiscalização sucessiva, mesmo que o Tribunal Constitucional chumbe algumas das
medidas, pode sempre dizer com argumentos de estadista que colocou o bem do
País acima das suas dúvidas, sem, como lhe compete, ter desistido de colocar
essas interrogações. As pressões de Passos Coelho, ainda que inadmissíveis -
volto a sublinhar -, são politicamente compreensíveis. Um novo veto do TC a
qualquer das medidas fundamentais do documento (pensões, IRS...) deixá-lo-á sem
nenhuma margem de manobra: ficará socialmente desacreditado, financeiramente em
desespero por ter de encontrar encaixes quando já nada há a espremer e
internacionalmente perante a necessidade de pedir um segundo resgaste. A
atitude bipolar de António José Seguro, essa, é politicamente assassina. O
líder do PS que há semanas garantia (e bem) que não ia pressionar o Presidente
sobre o Orçamento e que, coerentemente, não levou o partido a tomar a
iniciativa de pedir a fiscalização sucessiva, não pode, em contraciclo, apoiar
os deputados socialistas que o façam. É jogar à defesa. É não arriscar não
estar do lado dos vencedores, como da última vez. É puro aproveitamento: se for
dada razão ao "recurso", colherá os louros; senão, não será nada com
ele. Quando a possibili- dade de eleições antecipadas é tão grande (nem vale a
pena explicar porquê), o que se espera do principal líder da oposição é que
apresente medidas concretas e tenha preparado um governo-sombra, pronto para
assumir o comando do País a qualquer momento. E não basta dizer que está
preparado, é preciso estar mesmo. De impreparação absoluta e consequente
"andar às aranhas" já temos o exemplo em curso. E se até o PSD parece
estar a antecipar-se ao que aí vem (vide as últimas posições apresentadas por
Jorge Moreira da Silva), como é que este PS continua a não apresentar provas de
que é uma real alternativa.
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