Lisboa - Rui Ferreira, o presidente do Tribunal
Constitucional, decidiu agora admitir o "Recurso Extraordinário de
Inconstitucionalidade" das eleições gerais de 31 de Agosto,
interposto pela UNITA ao qual o mesmo havia inicialmente negado por via de um
despacho datado de 27 de Novembro de 2012, sob alegação de que o assunto estava
esgotado.
Fonte:
Club-k.net
A decisão do recuo
foi tomada em Plenário de Juízes do Tribunal Constitucional (TC) no passado dia
12 do corrente mês, antecedendo a pressões de outros juízes que se revelaram
indignados por Rui Ferreira ter tomado uma posição de forma isolada e sem
aprovação do plenário.
Segundo
especialistas que apreciaram ambos os processos, o "recurso extraordinário
de inconstitucionalidade" apresenta provas irrefutáveis de que houve, de facto,
violações graves à Constituição (não só à Lei Ordinária), a tal ponto que, num
verdadeiro "Estado de direito" as eleições deveriam mesmo ser
anuladas.
Para não ter de
anular as eleições, o mais cômodo, segundo a visão dos especialista, foi
impedir que o processo siga os seus trâmites, não o admitindo, para não ter de
ser conhecido, porque “nenhum juíz imparcial pode defender o regime perante
tais provas.”
O juíz Rui
Ferreira sustentara que não pode proceder a admissão do "recurso
extraordinário de inconstitucionalidade" das eleições porque o recurso
anterior (de contencioso eleitoral) esgotava o assunto. Por isso, um novo
recurso da mesma recorrente sobre o mesmo assunto ofende os princípios do caso
julgado e da segurança juridica.
A UNITA discorda e
pede para o assunto ser analisado pelo plenário de juízes do TC, que são onze.
Os fundamentos aduzidos pela UNITA, em síntese, são:
1) A lei não autoriza o juiz presidente do TC a
indeferir o recurso na data em que o fez e com base nos fundamentos que aduziu.
A lei manda o juiz presidente decidir em 10 dias, mas Rui Ferreira levou 32
dias para decidir. A lei estabelece apenas três razões para o juíz presidente
não admitir o recurso. Rui Ferreira invocou uma quarta, e sem respaldo legal.
2) O legislador limitou o arbítrio do julgador ao
estabelecer que “o recurso não é admitido quando a decisão é irrecorrível,
tenha sido interposta fora do prazo ou por quem não tenha legitimidade” (Artigo
86º, nº 2 do Decreto-Lei nº 4-A/96, de 5 de Abril). Não é o caso nem foram
estas as razões invocadas no Despacho de indeferimento. O Juiz Presidente do TC
não observou a lei.
3) A lei estabelece três tipos de recursos para as
eleições:
i. o recurso contencioso eleitoral, para apreciação, em
última instância (ordinária), da validade das eleições, julgando os recursos
interpostos de eventuais irregularidades da votação ou do apuramento dos votos,
nos termos previstos na Lei Eleitoral, como definem as disposições conjugadas
na alínea f) do artigo 16º e no artigo 26º ambos da Lei nº 2/08 bem como a
alínea g) do artigo 3º da Lei do Processo Constitucional (Lei nº 3/08).
ii. o contencioso do registo eleitoral, para julgar, em
última instância (ordinária), os recursos interpostos dos actos do registo
eleitoral, nos termos da respectiva lei, como definem as disposições conjugadas
na alínea l) do artigo 16º da Lei nº 2/08 e na alínea k) do artigo 3º da Lei nº
3/08.
iii. o recurso extraordinário de
inconstitucionalidade, “após esgotamento dos recursos ordinários legalmente
previstos”, para julgar, em última instância, os recursos de
constitucionalidade que venham a ser interpostos...de actos administrativos que
violem princípios, direitos fundamentais, liberdades e garantias dos cidadãos
estabelecidos na Constituição...”, como define o disposto na alínea m) do
artigo 16º da supracitada Lei Orgânica do Tribunal Constitucional (Lei nº 2/08,
de 17 de Junho) e a alínea e) do artigo 3º da Lei do Processo Constitucional
(Lei nº 3/08).
4) O recurso extraordinário de inconstitucionalidade “só
pode ser interposto após prévio esgotamento nos tribunais comuns e demais
tribunais, dos recursos ordinários legalmente previstos” (Artigo 49º da
supracitada Lei 3/08, de 17 de Junho).
5) No Recurso Contencioso Eleitoral, o pedido e a causa
de pedir fundaram-se na ilegalidade dos actos da CNE praticados durante a
votação e o apuramento. Apenas isso.
No Recurso
Extraordinário de Inconstitucionalidade o pedido e a causa de pedir fundam-se
na violação de princípios, direitos, e normas previstos na Constituição, cobrindo
um âmbito temporal que não se pode circunscrever apenas e só à votação e ao
escrutínio.
6) O Juíz Presidente do TC não pode invocar o princípio
do caso julgado, porque o “caso julgado” em Setembro foi delimitado à
observância das normas legais reguladoras das operações de votação e apuramento
prescritas na Lei Orgânica Sobre as Eleições Gerais. O TC não julgou a violação
dos direitos fundamentais dos cidadãos nem a violação dos princípios
constitucionais, como o princípio da igualdade, do estado de direito, da
soberania popular e da vontade do povo angolano.
7) Ademais, o princípio do caso julgado só será
intangível enquanto tal, quando conforme com a Constituição, como dispõe o nº 3
do art.º 6º e o nº 1 do art.º 226º, ambos da Constituição da República de
Angola (CRA).
Para sustentar a
justeza da sua posição, A UNITA citou mesmo as páginas 11 e 12 do Acórdão
nº 226/2012, que o próprio TC lavrou em Setembro, onde os juízes escreveram que
“...O Recorrente vem, também, alegar que não houve tratamento igual e imparcial
por parte da imprensa pública, nomeadamente, Rádio Nacional de Angola, Jornal
de Angola, e Televisão Pública de Angola que nas suas edições privilegiaram e
defenderam sempre um partido político e o seu cabeça de lista...
Relativamente a
esta matéria, a este Tribunal Constitucional apenas cabe apreciar as decisões
da CNE que tenham recaído sobre reclamações apresentadas sobre quaisquer
irregularidades e ilegalidades verificadas durante a votação ou qualquer dos
actos de apuramento provincial ou nacional, o que não é o caso de reclamações
relativas ao tratamento nos meios de comunicação social em geral, para além de
que não resulta dos autos ter o Recorrente apresentado qualquer reclamação,
neste sentido, à CNE...Ora, atendendo à delimitação do objecto do presente
Recurso, não cabe a este Tribunal tratar esta matéria...”
Este Acórdão
parece contrariar o argumento do juiz Rui Ferreira. A questão da
constitucionalidade das eleições não foi ainda julgada pelo Tribunal. Apenas
foram julgadas as ilegalidades, mas não as inconstitucionalidades.
A UNITA citou
ainda o Professor Doutor José Alberto dos Reis, doutorado em Direito pela
Universidade de Coimbra em 1899 e considerado o “Pai" do Código de
Processo Civil Português (1939) que, sobre a doutrina do caso julgado, escreve
o seguinte no Código do Processo Civil (Vol. V e VI):
O Recurso
Extraordinário pressupõe um vício estranho e anormal na pronúncia
jurisdicional, vício grave e malicioso que não deve ser coberto e sanado pela
autoridade do caso julgado. O respeito e homenagem pelo caso julgado cede
perante a necessidade irrepreensível de dar satisfação a um valor de justiça.
Os especialistas,
segundo consultas esperam que os demais juízes do TC concordem com o óbvio: que
o Recurso Extraordinário de Inconstitucionalidade, tem âmbito diverso do
Recurso Contencioso Eleitoral, e que, por se tratar de uma matéria de interesse
público subjacente à força constitucional dos direitos fundamentais dos
cidadãos, do qual o Tribunal Constitucional é guardião, esse Tribunal resolva
de facto debruçar-se sobre o assunto e não ignorá-lo.
O passo dado agora
pelo Juíz Rui Ferreira aparenta ir neste sentido, porque os juízes do
Plenário não poderão analisar a justeza do seu novo Despacho de 17 de Dezembro
sem conhecer e analisar o conteúdo do próprio Recurso Extraordinário de
Inconstitucionalidade cuja admissibilidade Rui Ferreira havia negado por
Despacho de 27 de Novembro de 2012.
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