quarta-feira, 7 de abril de 2010

A Ocidente do Paraíso (39). Num estava escrito: «E se mais mata houvera lá chegara.»


Os dias passavam e o Vera Cruz prosseguia na secular rota marítima. A bordo nada havia para assinalar. A rotina era confrangedora, exceptuando de vez em quando a distracção que os peixes voadores proporcionavam. Um dos nossos furriéis informou-nos, que quando chegássemos à zona do Equador sentiríamos mudança climática devido ao calor. De facto assim foi. O tempo quente instalou-se a bordo. Quanto mais navegávamos, sentíamos o desconforto devido à humidade que se colava nos nossos corpos. Luanda aproximava-se.

CAPÍTULO IV
A GUERRA

Luanda, Angola, 9 de Agosto de 1971

Atracámos. As escadas, fazendo lembrar uma ponte levadiça desceram. Enquanto descíamos para terra, algumas senhoras do Movimento Nacional Feminino ofereciam-nos um estojo com um isqueiro, o famoso – Ronsom da picada – um pincel, um tubo com creme para barbear e algumas lâminas, que cortavam tudo menos a barba. Depois de uma curta viagem até ao Grafanil, ficámos à espera do MVL-Movimento de Viaturas Ligeiras, efectuado por motoristas civis que em camiões nos levariam ao destino. As camas eram de cimento e apenas guardadas por um tecto também cimentado. Quase ao ar livre. O desconforto era evidente.

Os camiões chegaram. Mais uma viagem com destino à Quibala do Norte. Fui num camião que carregava parte dos nossos pertences. Consegui desenrascar-me num local sentado em cima da carga. Muito desconfortável, instalei-me o melhor que era possível. Parámos no Caxito. Fiquei surpreendido com a quantidade de crianças que nos pediam algo. Atirei-lhes com alguns pacotes de bolacha da minha caixa de ração. Prosseguimos viagem. A paisagem até ao nosso destino tinha capim muito alto. Vi pela primeira vez os misteriosos embondeiros. O asfalto já terminara, passámos por mangueiras cujos ramos batiam na viatura. Aproveitei e colhi muitas que ia comendo pelo caminho.

Agora eram picadas que constantemente faziam baloiçar o camião. Continuar sentado tornava-se um grande incómodo. À medida que penetrávamos pelo mato denso, comecei a pensar que estávamos em terra de ninguém, porque não se avistava nenhuma habitação, nem seres humanos. E se rebentasse alguma mina?! Ou se fossemos atacados, porque o local era ideal para isso? Instintivamente segurei com mais cuidado na G3. Concentrei-me nos barulhos e nos movimentos da vegetação. A viagem nunca mais acabava. Ia literalmente todo partido, exausto... finalmente chegámos. Durante um horrível ano esta seria a minha nova casa.

Fomos recebidos com grande festa, porque a companhia que íamos render aguardava impaciente a nossa chegada. Tinham terminado a sua comissão de serviço. Chamaram-nos de periquitos devido a sermos novatos nestas andanças. Dois cartazes chamaram-me a atenção. Num estava escrito: «E se mais mata houvera lá chegara.» No outro: «A nossa força é o arroz com salsichas.»
Os rostos duros que observava apresentavam cansaço, velhice precoce de veteranos. O furriel Moreira instruiu-me, que os veteranos me aguardavam no posto de rádio para eu receber os equipamentos e as instruções de manuseamento.

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