quinta-feira, 15 de abril de 2010

A Ocidente do Paraíso (45). Aconteceu que de um momento para o outro tornei-me colérico. Não suportava nada nem ninguém.


Por mais que se lhe falasse não dava ouvidos a ninguém. Alguém sugeriu que era melhor abatê-lo, mas surgiu o furriel do seu pelotão que enquanto falava, meteu bala na câmara da sua G3:
- Saia já daí, é uma ordem!
A resposta foi:
- Meu furriel, não se meta nisto, vou matá-los a todos!
O furriel não estava para perder mais tempo e gritou-lhe:
- Vou aí em cima ter consigo e se você tiver coragem pode matar-me. Enquanto o furriel se dispunha a subir, ele de repente saltou. O furriel aproximou-se e gritou-lhe mais una vez:
- Caralho, dê-me a merda da granada!!!
Ele afastou-se e lançou a granada para o pequeno vale que circundava as nossas instalações sem causar quaisquer estragos. Chegou junto do furriel a chorar copiosamente, e enquanto pedia desculpas abraçou-se ao que foi correspondido pelo furriel. Pareciam pai e filho. Depois foi transferido para outra companhia, nunca mais soubemos o que lhe aconteceu.

As tempestades violentas continuavam. Queria abraçar a Belita. Queria sair daqui a todo o custo. Mas Como?! Acho que perdi tudo, inclusive o seu amor. Nunca mais veria a sua beleza. Mas porque não nasci com asas para poder voar? Ao menos poderia planar e contemplar tanta beleza nocturna e depois regressar para o meu posto. Era assim que pensava quando estava de serviço à noite. Olhava para o horizonte e via o que pareciam explosões contínuas, porque iluminavam o céu de tal maneira, que parecia uma grande batalha sem vencidos nem vencedores.

Eram intensos jactos de luz alaranjada. Era o feitiço do céu angolano. Depois surgia uma grande invasão de borboletas pesadas a que dávamos o nome de aviões dakotas da noite. Durante um curto período da noite éramos iluminados por um gerador. A conservação dos alimentos fazia-se com frigoríficos a petróleo. Exceptuando isto, as baterias dos nossos equipamentos tinham que ser carregadas enquanto o gerador estivesse ligado. Depois de desligado, um silêncio profundo instalava-se quando chegava a hora de dormir.
Em serviço na época das chuvas, de candeeiro ligado no posto de rádio, uma multidão de insectos entrava. Bastava ter algo aberto, era quase impossível permanecer no local.

Durante a época do tempo seco faziam-se grandes queimadas para evitar que o capim crescesse e acoitasse o inimigo. Eram queimadas que chegavam a ser tão gigantescas, que podiam facilmente serem vistas à noite. Inspiravam-me grandes receios. Pareciam grandes cidades que ardiam sem qualquer controlo.

Aconteceu que de um momento para o outro tornei-me colérico. Não suportava nada nem ninguém. Quando me levantava e encarava sempre os mesmos rostos, cheguei ao ponto de desviar a cabeça para o outro lado. Já não falava, discutia e gritava em voz alta. À mínima coisa ficava fora de mim. Já não conseguia suportar o ambiente. Os meus colegas chamavam-me a atenção, mas em vão. Desejava apenas ficar só e que ninguém me incomodasse. Mas começaram a surgir mais casos. A presente situação tornava-se insustentável. Afinal de contas estava quase passado um ano e a solidão era um grande tormento. Quebrava-se apenas quando chegava o avião ou o MVL, de resto não tínhamos contacto com mais nada. O nosso comando começou a aperceber-se que era necessário mudarmos para outro local.

Imagem: http://jdelfes.files.wordpress.com/2009/01/borboletas-a.jpg

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