terça-feira, 20 de abril de 2010

A Ocidente do Paraíso (48). E a CCAV 3418 continuava a sua odisseia.


Um sargento reuniu um grupo de voluntários para caçar pacaças. Ofereci-me e lá fomos. Chegámos a um local onde elas habitualmente pastavam. O sargento avisou-nos solenemente que ninguém daria tiro com G3, porque tinha uma caçadeira adequada. Um palerma desobedeceu à ordem, e quando viu uma pacaça deu-lhe tiros com a G3. Resultado… o animal ferido investiu de repente como querendo varrer tudo à sua frente. Quando me apercebi do perigo e do barulho que o animal fazia, pois que o chão tremia, por instinto coloquei-me atrás do tronco de uma árvore, e vi-o passar numa louca correria. Mas o sargento estava atento mais à frente, e com tiros certeiros da sua caçadeira acabou por abatê-la. Ao jantar tivemos bifes de pacaça com arroz, e demos graças a Deus por tão boa comida.

O MVL continuava retido. As viaturas civis muito carregadas avançavam um pouco e depois tornavam a enterrar. As mensagens que recebíamos diziam que a berliet, com a direcção toda virada para a esquerda deslizava para a direita, como se o chão estivesse inundado de manteiga. Até que tal imbróglio chegou ao conhecimento do Comandante-Chefe da Região Militar de Angola. As ordens que deu eram que o MVL deveria avançar de imediato. Foram enviados helicópteros com pessoal da engenharia, e a coluna avançou e chegou ao seu destino. Para grandes males, grandes remédios.

Pela última vez acompanhei um dos nossos pelotões em mais uma patrulha como fotógrafo de guerra. Poucas vezes carregávamos o colchão de borracha, porque em progressão se torna muito pesado. Como cama utilizávamos um pano de tenda que estendíamos no chão. No solo abundavam pedras pontiagudas que nos causavam dor, e que apenas nos deixavam dormir um pouco. Por azar caiu uma chuvada a meio da noite. Os ponches pouco serviram para nos abrigar. Quando rompeu o dia estávamos encharcados, e sem dormir parecíamos autómatos descontrolados.

A companhia que nos permitiu sair deste martírio chegou, mas era apenas uma rotação. Eles ficavam, e nós íamos com destino ao Quixico. Um ano de isolamento no mato abala qualquer um.

Não existem caminhos para a paz. A paz é o caminho. (Mahatma Gandhi. (Grande Alma).

E a CCAV 3418 continuava a sua odisseia. A característica principal do Quixico, era uma grande fazenda de café. Comecei a concluir que todas as localidades situadas no Norte de Angola tinham a sua origem em grandes fazendas de cafeeiros. Soube também que toda esta grande área tinha o nome de Dembos.
Um pormenor curioso era que apenas as comunicações situavam-se num pequeno monte. Tínhamos instalações só para nós. Ao contrário da Quibala do Norte, quando estávamos de serviço à noite, de dia não conseguíamos dormir, porque nas casernas faziam tanto barulho que em grande parte se devia a isso a alteração do nosso sistema nervoso.

Todas as instalações em que agora nos encontrávamos pertenciam a um grande fazendeiro. Em frente às comunicações estendia-se uma picada em linha recta. Era a via principal de entrada e saída. Mais em frente, do lado direito, ficavam as instalações dos nossos chefes, separadas do restante pessoal. Eram dois armazéns de café improvisados para o efeito. Em frente, ao fundo, distinguiam-se perfeitamente grandes campos para secagem do café. Mais afastado, num local isolado, sobressaía uma pista de aviação. Haviam civis da OPVDCA-Organização Provincial de Voluntários da Defesa Civil de Angola, que protegiam as instalações e os trabalhadores da fazenda.

A nossa missão consistia em proteger um pelotão de engenharia, que abria uma grande picada em direcção a Salazar (hoje Ndalatando). Saíam de manhã, trabalhavam na desmatação, depois nivelavam o solo e passavam-lhe com o cilindro. Estavam devidamente apoiados pela JAEA-Junta Autónoma de Estradas de Angola, com pessoal civil. No fim do dia enviavam uma mensagem com a posição, km tal.

Imagem: cortesia do furriel Luís Filipe

Sem comentários: