segunda-feira, 19 de abril de 2010

A Ocidente do Paraíso (47). Mas qual quê… eram limões. Mas mesmo assim, serviram maravilhosamente para matar a sede.


As ruas que circundavam o batalhão eram de terra batida. O pó era tanto que caminhar tornava-se tormentoso. Chegava a trinta centímetros de altura. Ficávamos com o corpo como se tivéssemos tomado um banho de pó. Senti-me muito aliviado quando o capitão ordenou que regressássemos. Decididamente este local não era nada acolhedor.

Continuava com as minha fugas operacionais para poder tirar fotografias. Vi buracos de elefantes deixados quando caminhavam na terra barrenta. O azar seria enfiar um pé num deles e decerto sairia com uma perna partida.
A certa altura surgiu pânico entre nós porque alguém pisou uma grande serpente, o que originou uma grande correria. Ninguém se feriu. As moscas tsé-tsé perseguiam-nos. Não faziam nenhum barulho. Só se sentia comichão, que ao coçar fazia uma protuberância na pele. Felizmente não tivemos nenhum caso de infecção.

Quando surgia uma tempestade, por mais que fizéssemos, as nossas tendas inundavam-se, ou devastavam-se pela força avassaladora da ventania. E acontecia que os raios eram tão intensos, que tínhamos que largar as nossas armas para não sermos electrocutados.

Numa outra fuga operacional em que já não tínhamos água para beber, descobri entre quatro árvores um reservatório feito com as suas raízes. Aproveitei e coloquei alguma no cantil, desinfectando-a com vários comprimidos. Noutra altura, também sem água, descobrimos um pequeno lago imundo. Tentámos aproveitar a parte que parecia mais limpa, enchemos os cantis, desinfectámos e toca a beber.
Ou quando numa lavra abandonada encontrámos o que pareciam laranjas. Arranquei algumas e com a faca de mato tirei a casca. Seria bem óptimo, matar a sede com tal manjar. Mas qual quê… eram limões. Mas mesmo assim, serviram maravilhosamente para matar a sede.

Não gostava de frango. Quando serviam esta comida diziam que eu passava fome. Que nunca viram ninguém que não gostasse de frango. A questão era muito simples, parece-me. Quando era criança, no Tramagal ouve uma grande chuvada que arrastou centenas de frangos. Vi-os em decomposição com as larvas a acabarem os seus restos cadavéricos. A partir daí nunca mais consegui comer tudo o que fosse aves. Tentei algumas vezes vencer este constrangimento, mas sem êxito, porque sempre me ocasionava vómitos. O furriel vagomestre, quando se apercebeu da situação instruiu para me fazerem outra comida, que normalmente consistia em batatas fritas com bife.

Entretanto surgiu o nosso receio… o arroz com salsichas. Os que conseguiam cozinhavam outra comida. Haviam fogareiros a petróleo espalhados por toda a companhia. Claro que nós também tínhamos o nosso. De vez em quando fazíamos algumas iguarias devidamente regadas com cerveja. Mas o arroz com salsichas continuava. Depois soubemos o motivo. O MVL que transportava os géneros estava retido em Freitas Mornas, devido às intensas chuvas. Uma semana já se tinha passado e não sabíamos quando seria a sua chegada.

Imagem: cortesia do furriel Luís Filipe

Sem comentários: