quarta-feira, 14 de abril de 2010

A Ocidente do Paraíso (44). Estamos aqui para passar o tempo e regressarmos todos vivos.


De vez em quando para mudar de ares formava-se uma coluna para irmos de passeio até ao Ambriz. Como tinha praia, durante dois ou três dias ali ficávamos. Aproveitei e lá me distraí duas vezes. Havia um restaurante improvisado, onde serviam batatas fritas com bife.
Numa das excursões que não fiz parte, o alferes levou o pessoal até ao rio Loge, e apanharam muitos lagostins com iscas de pão. Já no aquartelamento, os meus colegas disseram-me admirados que havia festa nos pelotões:
- Estão a comer marisco, apanharam uma tonelada de lagostim.
Fiquei contente, guloso só de pensar que ia degustar um bom petisco:
- Vamos lá roubar-lhes alguns?
- Eles não nos dão, dizem-nos que se quiserem vão lá apanhá-los. Esta comida não é para aramistas.
- Grandes sacanas de colegas, é o que são!

Entretanto chega uma mensagem a informar que havia uma grande actividade inimiga na nossa zona. O alferes Lopes comenta apreensivo:
- O melhor é não arranjarmos problemas. Se não nos metermos com eles, eles não se metem com a gente. Se não os atacarmos eles também não nos atacam. Estamos aqui para passar o tempo e regressarmos todos vivos.
Depois disto passei a utilizar um rádio da reserva, a escutar noutras frequências o que se estaria a passar com outras companhias. De vez em quando ouvia que foi accionada uma mina, e que haviam alguns feridos. Isto significava que a situação não era nada agradável.

O alferes Santos saiu com o seu pelotão para uma área de infiltração inimiga previamente determinada. A certa altura o seu operador de rádio comunicou-nos que havia intenso tiroteio. Ficámos atentos ao rádio e à espera do pior.
Depois, quando chegaram ao aquartelamento, as informações que nos deram eram muito confusas. Que tiveram recontros com o inimigo, mas que na realidade era apenas um pobre velho que foi abatido. Um dos batedores do pelotão baralhou tudo, de tal maneira que como era noite confundiram o velho com um grupo muito numeroso. As guerras têm destas situações. Alguma frustração apoderou-se de nós.

Algures ouvi o som de uma viola muito agradável. Fez-me lembrar o Zeca Afonso. Dirigi-me na sua direcção, intrigado de quem seria o trovador. Admirei-me... era o Tchipalanca, um dos integrantes do pelotão angolano. Era natural do Huambo e professor na vida civil. Perguntei-lhe que música estava a tocar e a cantar. Que era uma balada da zona Leste de Angola. Pedi-lhe mais:
- Gostei muito de ouvir, toca mais por favor.
A melodia dava-me grande contentamento. E de vez em quando ia para junto dele e pedia-lhe que tocasse algo do folclore angolano.

Uma mensagem acabada de chegar, informava que vinha para a nossa companhia no próximo MVL, de castigo, um soldado. Ele chegou e os seus registos diziam que a sua vida militar era só punições. Já tinha acabado o seu tempo de comissão. De punição em punição nunca mais sairia da tropa. Era considerado um elemento perigoso. À mínima altercação ameaçava de morte quem quer que fosse. Tinha socado alguns oficiais com tiros à mistura. Rapidamente o nosso ambiente alterou-se com algumas cenas de pancadaria na caserna. Poucos dias depois, numa noite fomos surpreendidos com uma grande algazarra no telhado da caserna. Ele estava com uma granada pronta para explodir e ameaçava lançá-la.

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