Não tive outra solução, queixei-me ao Moreira. Ele reuniu-nos e zangado chamou-nos a atenção. E o Pereira teve o desplante de continuar, de piorar a situação. Quando numa manhã entrei de serviço para o substituir e deparei com o espectáculo de pura provocação, chegámos a vias de facto. Era inevitável… lutámos. Talvez que ele não contasse que eu chegasse a este ponto. Depois de sofrer algumas escoriações começou a chorar estupidamente. Nunca mais nos falámos a não ser indirectamente. Limitei-me a culpar a guerra por este incidente que até nos causava inimizades.
De salientar um aspecto muito curioso. O Pereira conseguia passar o tempo a ler e a reler o mesmo jornal desportivo de tal modo que, chegava ao ponto de estarem a chamá-lo pelo rádio e ele não ouvia. Era necessário que algum de nós lhe chamasse a atenção, ou que pegássemos no micro e respondêssemos: «Informa!» Enquanto o operador do outro lado dizia que a manter-se a situação informaria o chefe do batalhão. E de vez em quando surgiam mensagens a informarem que foi punido tal e tal operador de outras companhias.
Quando o céu anunciava tempestade e vento, ia como voluntário, cansado de olhar sempre para a mesma paisagem. Oh! Como desejaria que a Belita estivesse aqui junto a mim para sempre. Se ela, ou eu, se nós pudéssemos voar que felizes seríamos. Ainda sinto o cheiro e o sabor do seu corpo que me acompanham todas as noites. Só receio que na ausência, depois reste apenas uma ténue recordação.
Enquanto vou permanecendo nas tempestades e nos ventos, nos abraços do além-amor perdidos nos tecidos intemporais que inventaram, e que incomodam o amar. As distâncias com o passar do tempo adiam a separação inevitável. As noites fincam-se nas masturbações das nossas almas desalmadas. E só renasce o de vez em quando, até que tudo repentinamente termina. As tempestades e os ventos passaram a ser a única companhia que me confortava e alentava. Ao contemplar o verde no alto das montanhas, via o meu sonho de amor perdido para sempre.
Um pelotão foi lançado numa operação. Comandado pelo alferes Santos interceptaram uma pequena coluna de guerrilha que carregava abastecimentos. Não houve tiroteio porque conseguiram fugir, mas para traz deixaram uma jovem que apanharam e trouxeram para o aquartelamento. Era muito magra e alta, parecia estar nos trinta anos. Apesar de mal trajada, com a camisola meio esfarrapada, notava-se que era bonita. Com ela vinha um carregamento considerável de liamba. O capitão partiu para o Toto na companhia do troféu de guerra. Uma pobre jovem que entregariam à PIDE.
Com o capitão ausente, alguém teve a ideia de experimentar fumar liamba. Não queria acreditar no que estava a acontecer. Primeiro foram os oficiais e furriéis, com um a vigiar, sem fumar, para que possíveis casos de reacções imprevisíveis fossem controlados. Depois deles foi a nossa vez com os furriéis a vigiarem-nos. Disseram-me que as sementes faziam mais efeito. Fiz um cigarro e fumei.
Depois senti sono e deitei-me. Surgiu-me uma visão maravilhosa da Belita. Estávamos no paraíso, rodeados de belas flores, ela estava num baloiço suspenso numa árvore. À nossa volta pairavam nuvens brancas transparentes. Enquanto empurrava o baloiço, ela sorria-me maravilhada. Sentia-me a pessoa mais feliz do mundo. Acho que dormi cerca de três horas, depois veio um apetite devorador. Uma vontade quase louca de comer. Tornei a fumar mais uma vez e veio a mesma visão, os mesmos sintomas. Garanti-me, que se droga é isto, nunca dependerei dela, e nunca suportarei ser dominado pelo irreal. Prefiro a realidade e nunca mais fumei. Um ou outro companheiro a quem perguntei se sentiram alguma coisa disseram-me que não. Um furriel explicou-nos que os sintomas são imprevisíveis nas pessoas.
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