Que nem sequer gostavam de tal planta. Com a descoberta deste filão, raramente passava um dia que não comesse alface. E quando não havia, sentia-me apoquentado. Mais tarde soube que este vegetal entre outras coisas dá sono, é calmante do sistema nervoso, tonificante dos órgãos genitais, depurativo, ajuda nas palpitações cardíacas. Outras plantas que comecei a comer com gosto, o agrião e a beldroega, enfim, verdadeiros medicamentos naturais.
Surgiu uma epidemia de queda do cabelo. Muitos lamentavam-se, era notória a calvície, caminhavam para carecas. Outros, como eu, não tinham problemas com o couro cabeludo, sentiam dores de dentes. A dentadura desaparecia. Ninguém conseguia explicar, até que o nosso furriel Diniz, o enfermeiro, apontou-nos a causa. A água que consumíamos era muito pobre em dois minerais fundamentais, e além das vitaminas que ingeríamos, adicionávamos comprimidos de flúor e cálcio. Mas os sintomas permaneceram até ao fim. Seria um caso de stress?
Cansado da rotina de apanhar mensagens em cifra, tive a ideia de colocar o meu gravador próximo enquanto as recebia. Assim, quando o operador informava que tinha uma mensagem em cifra, gozava-o, dizia-lhe para transmitir em alta velocidade. No fim perguntava-me se consegui apanhar tudo. Com a maior das calmas respondia que sim. Claro que ele ficava desconfiado. Ligava o gravador e calmamente reproduzia a mensagem. Em seguida consideraram-me o operador mais incrível de todos os tempos. Até que alguém desvendou o segredo.
Durante as tempestades, as interferências eram tantas que era difícil receber ou transmitir mensagens. Para as receber utilizei um estratagema: com um rádio de campanha sem antena, e com auscultadores, coloquei o meu dedo na base da antena, e aumentando ou diminuindo a pressão do dedo, conseguia apanhar a mensagem, o que se revelou importante para nós. Por causa das tempestades, o uso dos auscultadores fazia com que passasse electricidade no nosso corpo. Quando um colega tocava nos nossos ouvidos apanhava choque. Claro que todos sentiam medo com estas condições. Isto devia-se a que o equipamento não estava ligado à terra. Providenciei nesse sentido, criando um sistema de protecção devidamente instalado, cavando um buraco no chão com uma chapa de zinco, de acordo com as normas eléctricas. A situação foi sanada.
- Filhos da puta! Filhos da puta!
Era o furriel Moreira, espantado perguntei-lhe:
- Será que está muito zangado comigo? Alguma coisa grave aconteceu, nunca o vi assim. Meu furriel, o que é que se passa?
- Filhos da puta! Filhos da puta! São uma cambada de grandes filhos da puta!
- Mas meu furriel...
- Oh Pá, não me chateie por favor.
- O meu furriel está zangado comigo?
- Não, não é nada consigo.
- Então...
- Estou farto deles, chicos de merda, só sabem é foder a vida de um gajo.
- O meu furriel foi castigado?
- Não, seria melhor que isso acontecesse. O filho da puta do primeiro-sargento, durante o almoço, disse-me que eu sou a única pessoa que não faz nada, que passo a vida a dormir, e que estando cheio de trabalho pediu para que eu o fosse ajudar. Disse-lhe que as Neps, Normas de Execução Permanentes, são muito claras em relação a esse aspecto, e que cada um tem as suas funções. Como há muito tempo ele não gosta de mim – como se comenta na nossa messe – foi-se queixar ao capitão, que o Moreira é a pessoa indicada...
- Indicada para quê meu furriel?
- A partir de agora vou gerir a cantina de dia e de noite como castigo. Vim aqui para lhe informar que você agora passa a chefe das comunicações. Quero que vão todos para o caralho, e que ninguém me chateie. O que vale é que o tempo da comissão está a terminar, senão isto não ficaria assim. Sugiro que você se mantenha calmo e aguente, e qualquer dúvida que tenha vá ter comigo.
- Sim meu furriel… saiba que estou muito revoltado com isso.
- Obrigado. Vamos aguentar esta merda até ao fim. Já falta pouco tempo… fascistas de merda!
Imagem: cortesia do furriel Luís Filipe
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