sexta-feira, 9 de abril de 2010

A Ocidente do Paraíso (42). O nosso capitão iniciou um ciclo de uísque.


No seu gabinete, o alferes Santos, que era o segundo comandante, quando se reunia já não falava, gritava, ao ponto de chegarmos a pensar que a qualquer momento o Valadas seria agredido ou abatido. O nosso capitão iniciou um ciclo de uísque. Preocupados, assistíamos às suas incursões frequentes onde quer que fosse. Implicava com todos por tudo e por nada. Tornou-se tão desagradável, que quando alguém avisava que ele vinha a caminho, tudo fugia. Perante isto tive uma ideia. Arranquei uma folha de banda desenhada em que o herói gritava: «Vem aí os índios!!!»

Como os três pontos de exclamação lembravam os galões de capitão, tratei de sublinhá-los devidamente, e colei a folha no posto de rádio. O Valadas quando entrou com a ressaca do copo na cabeça viu a caricatura e disparou:
- Grandes punhetas, tirem-me já esta merda daqui!
Como era eu que estava de serviço, e depois do incidente dos livros pensei que desta vez não escaparia. Mas não me aconteceu nada. O furriel Moreira aconselhou-me para evitar provocações, porque o homem não andava bom da cabeça. Inclusive já tinha problemas com o fígado, e de vez em quando ia para Luanda em tratamento. O nosso comandante, definitivamente estava arrumado devido às comissões de serviço sucessivas. Estava no estado a que chamávamos cacimbado.

O cabo Pereira era meu colega. Como eu era o substituto do furriel Moreira, ele achava-se no direito de também dar ordens, o que era incorrecto. Sentia-se muito constrangido e frustrado. Todas as ordens que lhe dava, desprezava-as, não as cumpria. Chegou ao ponto de voltar todos contra mim. Quando notei isso, já tinha um ambiente muito desagradável à minha volta, que duraria até ao fim da comissão de serviço. Apesar do seu posto, era medíocre em tudo o que fazia. Não consegui entender como conseguiu a especialidade. Só provavelmente com cunha, o que os colegas comentavam em surdina. Este homem seria o meu inferno diário até ao fim da desmobilização.

O Moreira instruiu-me e facultou-me as NEPs-Normas de Execução Permanentes, que explicavam detalhadamente como gerir as comunicações. Fui procedendo de acordo com os seus preceitos. Um dos aspectos mais importantes eram as baterias que alimentavam o nosso rádio fixo RACAL, e os outros rádios móveis também da mesma marca. Isto devia-se à cooperação militar de Portugal com a África do Sul. Expliquei a todos que quando a bateria de trabalho – que era muito pesada, eram necessárias duas pessoas para a transportar – e que quando estivesse no mínimo de carga, substituírem-na pela outra que estava sempre a carregar no respectivo carregador, PROTRON.

Disto dependia a nossa sobrevivência, pois sem comunicações que seria de nós? Perante isto, o Pereira decidiu exactamente o contrário. Quando estava de serviço, colocava os pés calçados em cima da bateria. Carregada de lixo e pó tornava-se perigosa, pois podia explodir a qualquer momento devido a um curto-circuito. E para cúmulo, quando acabava o serviço deixava a bateria quase sem carga, a louça suja, restos de comida, lixo por todo o lado. Quem quiser que limpe. Os colegas chamaram-me a atenção. Falei com ele mas em vão.

Imagem: O Racal TR-28 era um aparelho milagroso, que salvou muitas vidas.
http://cc3413.files.wordpress.com/2009/04/foto-21.jpg

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