Joana Gorjão Henriques http://www.publico.pt
Rafael Marques
entregou à PGR portuguesa elementos sobre eventuais "conflitos de
interesses" do vice-presidente de Angola, Manuel Vicente, accionista do
Banco Angolano de Investimentos, com filial em Portugal.
O jornalista angolano Rafael Marques foi à
Procuradoria-Geral da República, na sexta-feira, submeter novos elementos no
inquérito-crime que visa actuações de políticos próximos do Presidente angolano
José Eduardo dos Santos. Esses elementos “deverão comprovar que o Banco
Angolano de Investimentos Europa, que opera em Portugal, funciona como um banco
de pessoas politicamente expostas, entre as quais o vice-presidente da
República Manuel Vicente que é sócio”, disse ao PÚBLICO.
De acordo com Rafael Marques, o maior banco
angolano, o Banco Angolano de Investimentos (BAI) “não deve operar em
Portugal”. “Portugal deve conformar-se às medidas internacionais de combate a
branqueamento de capitais, que inclui limites severos às operações e
transacções financeiras utilizadas por bancos constituídos por pessoas
politicamente expostas?”, questiona retoricamente. Marques dá como exemplo o
facto de o BAI não poder “realizar operações através dos EUA”. O termo Pessoas
Politicamente Expostas (PPE) designa detentores de cargos públicos.
O BAI Angola está presente em Portugal desde
1998, mas em 2002 mudou o estatuto jurídico para filial como BAI Europa, sendo
que o principal accionista, com 99,9% do capital social, é o BAI. O
administrador do BAI Europa José Tavares Moreira disse ao PÚBLICO desconhecer
se Manuel Vicente é accionista daquela instituição. Afirmou: “Se já era
accionista antes de ser membro do Governo não vejo qual é o problema. Mas
desconheço completamente esse tema.”
Tavares Moreira “admite” que o maior
accionista do BAI “seja a Sonangol”. No entanto, escusou-se a dar informações
sobre os accionistas justificando com o facto de responder pelo BAI Europa e
negou que este funcionasse “como um banco de pessoas politicamente expostas”.
Disse: “Os accionistas do BAI não são os accionistas do BAI Europa, quem detém
o BAI Europa é o BAI. O BAI Europa é supervisionado pelo Banco de Portugal, tem
uma política absolutamente transparente.”
Entretanto, Rafael Marques acabou de fazer um
requerimento para ser assistente no processo de inquérito-crime o que significa
que passa a ter acesso ao processo, a ser notificado das diligências ou a ter
acesso a documentos que estejam em segredo de justiça para o exterior – além
disso, se o processo for arquivado, pode recorrer da decisão.
O caso, aberto pelo Departamento de Central
de Investigação e Acção Penal (DCIAP) português, começou com uma denúncia de um
cidadão angolano – Rafael Marques tem prestado depoimentos. Recentemente, depôs
sobre as filhas de José Eduardo dos Santos, Tchizé e a empresária Isabel dos
Santos, Manuel Vicente, o general Hélder Vieira Dias “Kopelipa”, ministro de
Estado e chefe da Casa Militar da Presidência da República, entre outros.
No relatório e contas de 2011 do BAI, Manuel
Vicente aparecia no conselho de administração, mas na actual página da Internet
o seu nome não consta. Vicente foi presidente do conselho de administração da
Sonangol, a petrolífera que é a base da economia angolana. Ocupou e ainda
ocupa, segundo informações da Bloomberg, lugares no conselho de
administração de bancos angolanos e portugueses. O PÚBLICO tentou, sem sucesso,
entrar em contacto com vários assessores que fazem a ponte com a
vice-presidência angolana.
EUA alerta
Em 2010, a sub-comissão de segurança interna e relações governamentais do senado norte-americano publicou o relatório “Manter a corrupção estrangeira fora dos Estados Unidos” onde apresenta quatro casos, entre eles o de Angola, que expõem “as tácticas usadas pelas pessoas politicamente expostas e os seus facilitadores para levar para os EUA fundos suspeitos”. Nele investiga dirigentes angolanos, como Manuel Vicente e o presidente do conselho de administração do BAI, José Carlos Paiva.
Em 2010, a sub-comissão de segurança interna e relações governamentais do senado norte-americano publicou o relatório “Manter a corrupção estrangeira fora dos Estados Unidos” onde apresenta quatro casos, entre eles o de Angola, que expõem “as tácticas usadas pelas pessoas politicamente expostas e os seus facilitadores para levar para os EUA fundos suspeitos”. Nele investiga dirigentes angolanos, como Manuel Vicente e o presidente do conselho de administração do BAI, José Carlos Paiva.
Os senadores norte-americanos revelavam que o
maior accionista do BAI era a Sonangol, então dirigida por Vicente – que, por
sua vez, tinha 5% do BAI através de uma offshore, a ABL – criada,
segundo informações fornecidas no relatório, “para permitir alguma privacidade
em relação a este investimento”. “Como a Sonangol é uma empresa estatal e
uma força poderosa na política e economia angolanas, os seus executivos são
considerados PPE, o que significa que a liderança do BAI, assim como os seus
detentores e clientes, inclui PPE”, sublinham.
O BAI entrou no mercado norte-americano
através do HSBC de Nova Iorque, usando durante anos “os serviços de transferência
bancária, a troca de moeda estrangeira e cartões de crédito americanos apesar
de fornecer informações duvidosas sobre os seus accionistas”, dizem. E criticam
o HSBC por não ter identificado o BAI como um “cliente de alto risco”, apesar
de este se ter recusado várias vezes a entregar a lista dos proprietários.
Além disso, sublinham os senadores, José
Carlos Paiva controlava também 5% do BAI através de uma offshore e
mais 13,5% através de outras duas offshores – Paiva é, por sua vez,
presidente da Sonangol Reino Unido. Mais à frente revelam o “problema severo de
corrupção corrente em Angola”, que “levou o Citibank a fechar todas as contas
associadas ao Governo angolano e à Sonangol em 2003.”
O documento conclui que o BAI era
“exactamente o tipo de instituição financeira estrangeira que o Patriot Act
queria que fosse alvo de maior monitorização”. Em 2001, recorda, o Patriot Act
exigiu aos bancos que aplicassem medidas de escrutínio extra a conta privadas
de “figuras políticas, os seus familiares e associados próximos”. Em sequência
desta investigação, o HSBC americano cortou relações com os bancos angolanos.
Em Julho, Rafael Marques lançou uma campanha
no seu site Makangola – onde
tem divulgado casos de corrupção e violações de direitos humanos em Angola – em
que apelava ao fim das relações com o BAI. Aí revelava que “os dirigentes e os
seus antigos colegas detêm um total de 47,75% das acções do BAI. Por sua vez,
42,25% está distribuído entre empresas privadas angolanas, ligadas a figuras do
poder, gestores nacionais e estrangeiros do banco, bem como empresas
estrangeiras. Os restantes 10% são detidos pela Sonangol (8,5%) e pela Empresa
Nacional de Diamantes, Endiama (1,5%).”
O jornalista defende que Portugal, que aderiu
à convenção das Nações Unidas contra a corrupção, deveria pôr em causa a
presença do BAI em Portugal. Esta convenção não obriga os Estados membros a
participar, “trata-se apenas de voluntarismo em aderir às boas práticas”,
explica Luís de Sousa, presidente da Transparência e Integridade, Associação
Cívica (TIAC), o braço português da Transparency International, organização de
combate à corrupção. Em Portugal não se deveria deixar de perguntar “se o
dinheiro que é investido cá está a ser investigado”, acrescenta o também
politólogo.
Neste momento o Ministério Público está a
investigar o caso, recolhendo documentação e outras provas, nomeadamente
ouvindo testemunhas. Os políticos angolanos que são referidos na comunicação
social poderão ainda não ter sido contactados. Depois do inquérito, o MP decide
se arquiva o processo ou deduz acusação.
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