sexta-feira, 14 de agosto de 2009

A Epopeia das Trevas (37)


Estampa-se tiroteio. A ruela força-se, abala-se com a rusga pessoal e impessoal. Os desordenados saltam como coelhos na demanda das luras, perseguidos por caçadores do defeso. A senhora, à fula exclama maldizente:
- Ah, já chegou a política Politburo!

Os perseguidores dos ideais da lei, homens nascidos, crescidos, educados, e com históricos tiroteios contínuos rebaptizados, calejados nos dedos indicadores, movem-se como gatos retesados de salto sobre os ratos. O oficial, aprumado, nivela por baixo o zelo da leitura dinâmica da lei. Tem o hábito de perguntar. Sem perguntas, sem interrogatórios não é possível cumprir a lei. Interroga a Teresa Maka que está com a esperança renascida.
- Esse estupefaciente está drogado?
- É… é memo!
- Está a tirotear assim porquê?
- Quando engatilha, diz que se liquida.
- Inda não se matou? É pena!

Os polícias estão oásicos, agradáveis, bem acomodados em seguras trincheiras. Não intentam ofensiva. Teresa Maka exaspera-se:
- Estão a me estressar, avancem, lhe apanhem!!!
- Estás maluca ó quê? Não quero ser balado!
- Ah, afinal vocês têm medo da pistolada?!
- Absolutamente!... Sim… não… não é isso… estamos à espera que o gajo se distraia, ou adormeça, depois enchemo-lo de buracos. Garantidamente que tem o tempo contado, não se lembrará do registo de nascimento. Lembrar-se-á do dia em que morreu.

Mentor, social e religiosamente aprecia factual:
- É a civilização da bala no cumprimento do seu destino. O mais fácil que existe, e não são necessários cursos, escolas, universidades… é carregar no gatilho. A nossa civilização e as nossas vidas dependem apenas de um dedo encostado no gatilho de uma arma. São as armas que decidem o nosso futuro. Qualquer de nós arrisca-se a cada momento no mau caminho. Sem humanismo a vida não tem sentido. Os nossos sonhos dourados, desejados, desaparecem nos anseios de um qualquer com qualquer arma.

Onde há muitos seguranças é porque há muita insegurança. São estátuas humanas empertigadas para segurar o que se rouba, o que não se dá aos esfomeados. Parei junto a dois deles, ouvi diálogo edificante.
- … Filmei tudo! Mandaram-me lá fazer serviço de emergência nessa noite.
- Põe no play.
- Porra! Custa aceitar.
- Oh, fala lá meu!
- Nunca pensei ficar assim destoado.
- Que coisa? Já estou desassossegado!
- Foi na Ilha de Luanda… casais… de marido e mulher. Elas afastavam-se, a pôr o pé na estrada, como leoas berrantes que atraem a caça noctívaga. Os carros paravam com olhos de lince, surripiavam uma, o marido esfregava as mãos de contente, aclamava feliz: «já levaram a minha! Já levaram a minha!». Quando a outra se contentava, estava com sorte, o consorte rejubilava: «Hoje vou encaixar cerveja!». Elas faziam rapidinhas o serviço social, e entesouravam nos maridos.
- Eh! Eh! Bem feito! Acreditámos nas promessas do Politburo… vamos enfastiar-nos de colonizadores.
- Ó meu, novos colonizadores novas linguagens.
- E eles sabem falar a nossa língua?
- Não! Temos que aprender a língua deles.
- E vamos ter tempo para estudar tantas línguas?!
- Para quê? Temos a linguagem corporal.

Para ferver as mágoas do sistema nervoso central cumpliciaram numa bebida transparente que uma vendedora esquinava.

Imagem: http://alemmarpeixevoador.blogspot.com/

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