segunda-feira, 17 de agosto de 2009

A Epopeia das Trevas (38)


- Senhora, passa aí duas bombas.
São dois saquinhos de plástico transparentes. Bem visíveis saltam letras maiúsculas: Bad Whiskey. 43% Volume. Rápidos, entornaram a uíscada pelo túnel estomacal. O lirismo invadiu-os. Descolaram mais dois saquinhos que emborcaram. Os desejos reprimidos extravasaram.
- Porra pá! Esta merda é demais!
- Puta que o pariu!
- Hum, se alguém me chata, vamos se matar!
- Apetece-me uma pistolada!
- Eu também!
- Vamos se torrar!

As palavras espumavam bucais nos antes pacatos servidores dos bens alheios. A desfaçatez estonteou-os.
- Ó senhora, bombeia mais dois. Pagamos amanhã.
- Já estão admirados, desestruturados, os olhos orbitados… não vão reassegurar a empresa?
- Quero lá saber da empresa!
- Vamos se encostar no quarto mundo do passado, no presente, sem futuro.

As minhas passadas seguem o habitual ritmo compassado da luta continua… do cantar de José Afonso:

Ó cantador alegre
Que é da tua alegria?
Tens tanto para andar
E a noite está tão fria

Degeneração moral é vista como inevitável na ausência de controlos sociais contra ganância e competição. William Golding

O homem aprendeu a dominar, a piorar, amarrou a Natureza. Julgou-a como um banco de fundos ilimitados. Saques, saques a fundos perdidos. Finalmente abandonou-a, divorciou-se, desamou-a. A Natureza domina o homem, ele surge nela como planta daninha. Está a mais, não faz parte da equipa. Deus criou os homens para divertimento. Sorri, vendo-os exterminarem-se com as armas que todos os dias inventam. Hipocritamente inventaram a esperança, a espera contínua da morte. Dizem carregados de profunda maldade, que é a ultima coisa que resta. É a maldade sem limites. Matam e depois choram os mortos.

Oh, esta saudade, esta tristeza do alvor da perdida Natureza.
Para quê tantos instrumentos sofisticados, se basta observar formigas para prever as inclemências do tempo que nos desassossegam.
Desentendo porquê os seres humanos estão sempre muito ocupados. Falta-lhes tempo para observar uma árvore.
As religiões estão ultrapassadas, nada mais têm a desdizer, temos que as substituir por aquelas que amam a Natureza.
O alarde altipotente: vamos trabalhar, viver, conviver diariamente com a hipocrisia e a vigarice? Não é possível desumanizar assim! Temos que refutar, reabituar, resgatar a insolvência da nossa sobrevivência. Lutar antes do entardecer. A limpeza de alma da Natureza ciclicamente destrói os homens. Poupa alguns para recomeçar o ciclo do deixar o circo pegar fogo. Os elementos da Natureza conscientizam-se: «eis que retomam a multiplicação, um nunca acaba, vão hostilizar, cometer as atrocidades anteriores arquivadas no déjà-vu. Quanto baste, acabamos com eles».

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