quinta-feira, 13 de agosto de 2009

O Livro das demolições (3)


E Job sente-se como o programa de arranque, o sistema operativo corrompido que não inicia o computador.
- Ah! Não vou ficar aqui toda a vida a olhar para a noite. Não me espoliaram este tocador de CD portátil. Vou ouvir umas músicas e dançar uns bons bocados. Chorar não adianta. Lembro-me que os colonos quando fugiram, preveniram-me que não valia a pena trabalhar na terra, porque depois de estar tudo bem, apareceria alguém que ma roubaria. Não acreditei, agora dou-lhes razão. Fui e continuo muito parvo. Pedir um empréstimo bancário (!). Nem pensar! Só se for para importar cerveja. Os bancos não arriscam fazer empréstimos a longo prazo. Consideram que investir na agricultura não dá lucros. Porque quando chegam as chuvas as culturas destroem-se. Depois há que fazer novo empréstimo. O lucro tem que ser imediato, caso contrário… não deixam nada.

E Job, cheio de contentamento pela miséria oferecida pelo seu MPLA, ainda crê que é um dom divino do MPLA do seu sol, da sua terra, da sua miserável vida. E reza para que o seu Comandante Real tenha longa vida. Mas o seu estômago desperta e aqui vê a verdade das verdades.
- Sinto-me muito cansado e com fome. Nem sei onde dormir… não me deixaram tenda, disseram-me que depois iria algures aí para algum estendal, tendal… vou apanhar um bocado de capim e fazer um casebre. Esses do MPLA nascem e querem tudo só para eles. Nascem infectados com a doença do dinheiro. Bom, vou ver se consigo vender alguma coisa no maior mercado do continente da fome. Ou carregar sacos às costas, ou vender água fresca para viver. Arranjar uns papelões para dormir… tenho que safar-me. O MPLA disse que não me abandonaria, mas já estou farto dessa conversa. Os seus conselheiros dão-lhes maus conselhos e só aparecem onde há dinheiro à vista. Os príncipes estão muito ocupados com os seus negócios, vivem num mundo distante. O reino é deles, por isso vivem-no e repartem-no. Além disso nada mais existe. Fazem por parecer cultos, mas estão ocultos… como se não existissem. Não gostam que os perturbem, a não ser que lhes levem um bom negócio. Eles são a lei e nela repousam. Ninguém tem coragem de os abordar, pois o seu poder é imenso. É um MPLA maior que o seu reino, que muitos reinos. Aqui não há pequenos, só grandes. E quem tenta lá entrar jamais sai. É que não existe porta das traseiras. Porque têm um cemitério particular muito mal iluminado, para que não se possam ver as inscrições das lápides. As amarguras dos miseráveis nunca são escutadas, mas os latidos dos cães escutam-nos com muita atenção.

E Job lembrou-se que o mais cansativo, o que cansa na realidade mais pura é a fome e a espoliação.
- Cavar, cavar de dia e de noite à procura de diamantes que depois de encontrados ocultam-nos. As minas são propriedade real do MPLA, disso ninguém duvida. Dançam, pulam, pululam de contentes porque já não há espaço nos cofres para colocarem as riquezas. Para viver neste reino é necessário matar, vigarizar e espoliar. São estas as leis que funcionam. Quem não as cumprir não sobrevive. Só o oculto permanece e não se pode desvendar. Tudo é permitido para obter o nosso pão. Os milhões de esfomeados em vão suspiram ao governo dos desgovernados. Nada temem e nada receiam, porque os seus exércitos não dormem, estão sempre de atalaia e reforçados no Orçamento Geral do Estado. Ai dos prevaricadores! Apesar disso não dormem descansados. Vivem na perturbação constante de um levante, porque duas malditas rádios e semanários democráticos atiram tudo para fora, não deixam passar nada. Acusam-nos de democratas malvados, de maldita democracia que denuncia constantemente os corruptos. É por isso que ninguém gosta dos democratas e da democracia.

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