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Depois da
literatura e dos documentários, RTP1 estreia nova série sobre as convulsões
sociais em 1975/76.
“Em África tem-se o tempo, no ocidente tem-se
o relógio”, diz Isabel Fragata, sorriso rasgado, sobre a vida nas antigas
colónias portuguesas. Semblante carregado para recordar outro tempo, após 1975,
já em Portugal: “Os retornados eram mal amados”. Nem o termo é aceite por
todos, nem o tema é simples, mas esta semana, depois de uma vaga de livros
sobre o êxodo de África de centenas de milhares de portugueses, é a vez da
ficção televisiva e da rádio online se focar nos retornados. Depois do Adeus
estreia sábado na RTP1 e traz “um país que fervilhava” aos ecrãs, diz a
realizadora Patrícia Sequeira.
A história real de Isabel Fragata, testemunho
em vídeo apresentado nesta segunda-feira no Hotel Mundial, em Lisboa - que
albergou famílias vindas das ex-colónias - a par da nova série, é uma de muitas
que agora inspiram ficções. “Há um surgimento”, sublinha a historiadora Helena
Matos, consultora de Depois do Adeus, e não um ressurgimento destas
narrativas “e isso também é história - ninguém falava na situação deles, que é
comum nos casos de refugiados”.
Em 2011, o romance premiado O Retorno,
de Dulce Maria Cardoso, foi talvez o corolário da atenção de várias gerações de
autores portugueses ao efeito disruptivo da descolonização na sociedade
portuguesa - nos que nasceram ou emigraram para África e lá deixaram vidas
depois de 1975 e nos “continentais”, como descreve o actor João Reis, que num
período de redesenho social e político (não) acolhem os chamados retornados.
Para Luís Marinho, director-geral de conteúdos da RTP, Depois do Adeus
“retrata um período histórico controverso, e a série também será controversa
por isso”.
Depois do Adeus, título emprestado da canção de Paulo de Carvalho que
foi a senha para a revolução de Abril e que agora toca no genérico da série,
propõe-se como uma viagem do 25 de Abril (no qual terminava Conta-me como
foi, série de época de sucesso da RTP1 e que fez a direcção de programas
querer “completar o ciclo”) à eleição de Ramalho Eanes, com paragens no Verão
Quente ou no 25 de Novembro através da vida de famílias vindas de Angola e
residentes em Lisboa.
Tem carochas e colarinhos pontiagudos, a
ponte aérea, maoístas e nostálgicos de Luanda. Cada um dos 26 episódios está
ligado a acontecimentos da época, não só pela cronologia, mas também por
imagens dos arquivos da RTP (a Antena 1 lançou também o programa Começar de
Novo, com histórias e sons do período, e a webradio Antena 1
Memória - Depois do adeus, começar de novo).
Tudo para contar “um passado recente em
relação ao qual temos algumas mágoas”, resume o actor Diogo Infante que, como
João Reis, interpreta um retornado na série protagonizada por Ana Nave e José
Carlos Garcia e produzida pela SPTV. "Contamos esse passado agora porque são
“histórias absolutamente extraordinárias de fuga, de sobrevivência, de
resistência e portanto é normal que, como qualquer povo, gostemos das nossas
boas histórias”, diz Helena Matos.
Se Diogo Infante vê em Depois do Adeus
uma ligação directa com o momento actual - “Daqui a 20 anos talvez possamos
estar a fazer uma série sobre os tempos de hoje e o sofrimento de famílias que
vivem momentos dramáticos; a ficção devolve-nos essa realidade humana” -, João
Reis acredita que a reaproximação a este passado, seja pela série documental A
Guerra, pela literatura ou com esta nova série, conheceremos melhor “o modus
operandi do português”. Helena Matos é peremptória: “A história destas
pessoas e do país nos anos de 1975 e 76 mostra que há sempre uma saída”.
Imagem: Diogo Infante e
Ana Padrão, dois dos protagonistas da série DR
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