A propaganda governamental tem promovido o
orçamento de 2013 como o maior de todos os tempos, sublinhando os montantes que
irão ser empregues nos sectores sociais e no combate à pobreza. O Projecto de
Lei do Orçamento Geral do Estado (OGE), aprovado na generalidade pela
Assembleia Nacional, a 15 de Janeiro, deve tornar-se lei a 14 de Fevereiro.
O montante das despesas, para o presente ano,
registou um aumento de cerca de 50 porcento em relação a 2012, fixando o total
do orçamento no montante recorde de 6.6 triliões de kwanzas (cerca de US $69
biliões).
Mais de um terço do orçamento, cerca de 33.5
porcento, é dedicado ao sector social. Este inclui a saúde, educação,
habitação, ambiente e protecção social. Essa verba é, de facto, a maior de
sempre atribuída ao sector social.
A apresentação simplista de números, sem os
contextualizar, é enganadora. Na sua essência, o Projecto de Lei do OGE
legaliza a falta de responsabilização do Presidente José Eduardo dos Santos na
gestão dos recursos públicos.
Para a rubrica Despesas e Fundos Especiais, a
referido projecto de lei estabelece um regime especial de gestão ao livre
arbítrio do Presidente dos Santos.
Segundo a proposta:
“Ficam sujeitos a um regime especial e de cobertura, execução e prestação de contas, as despesas especiais, afectas aos órgãos de soberania e serviços públicos que realizam as funções de segurança interna e externa do Estado, integrados no Sistema Nacional de Segurança, em termos que assegure o carácter reservado ou secreto destas funções e o interesse público, com eficácia, prontidão e eficiência”. (Art. 11, 1)
“Ficam sujeitos a um regime especial e de cobertura, execução e prestação de contas, as despesas especiais, afectas aos órgãos de soberania e serviços públicos que realizam as funções de segurança interna e externa do Estado, integrados no Sistema Nacional de Segurança, em termos que assegure o carácter reservado ou secreto destas funções e o interesse público, com eficácia, prontidão e eficiência”. (Art. 11, 1)
Na práctica, todas as funções do Estado estão
subordinadas a uma cultura generalizada de medo e suspeição. Os funcionários
públicos (e não só) são aliciados e coagidos a vigiarem-se e a denunciarem-se mutuamente,
garantindo deste modo a sobrevivência do regime.
Com efeito, a proposta orçamental de José
Eduardo dos Santos inscreve, no OGE, “créditos orçamentais que permitam a
criação de fundos financeiros especiais, a funcionarem como reserva estratégica
do Estado, para a execução das despesas (…)” com o Estado policial (Art. 11,
2).
A gestão e prestação de contas dos referidos
fundos especiais cabe exclusivamente ao Presidente da República, enquanto
titular do poder executivo. José Eduardo dos Santos legaliza, desse modo e por
via do OGE, a sua forma habitual de gestão do património do Estado. Não presta
contas a ninguém. A autorização legal (Art. 11, 3) permite-lhe determinar como
exercer o controlo e a fiscalização sobre si próprio. Em suma, José Eduardo dos
Santos recebe autorização da Assembleia Nacional, por via do OGE, para decidir
como deve gerir os fundos especiais. Este é mais um modelo atípico de controlo
e fiscalização das despesas públicas, em que a falta de transparência é
legalizada.
Neste primeiro de uma série de artigos de
análise sobre o orçamento de 2013, Maka Angola aborda os orçamentos atribuídos
à presidência, assim como as verbas destinadas à defesa e à segurança,
comparando-as com os montantes atribuídos aos serviços sociais.
Soldados e Armas para o Presidente
A Presidência tem um orçamento de Kz 172.6
biliões (US $1.8 bilião), substancialmente mais do que a verba atribuída ao
Ministério da Saúde (Kz 120.2 biliões, equivalente a US $1.5 bilião). Desta
verba, José Eduardo dos Santos irá gastar Kz 140.2 biliões (US $1.4 bilião) em
defesa militar, correspondente a 81 porcento da despesa da Presidência.
De certo modo, a preocupação pessoal de José
Eduardo dos Santos com a defesa pode sugerir maior insegurança da sua parte ou
o comando de um exército presidencial paralelo.
Negligenciada por muitos é a verba atribuída
ao pessoal paramilitar da Presidência, Kz 6.4 biliões (US $67.9 milhões). Para
além desta despesa, mais Kz 14.4 biliões (US $150.2 milhões) foram atribuídos
aos membros da Unidade da Guarda Presidencial (UGP) e à Unidade de Segurança
Presidencial (USP). Um guarda presidencial recebe, em média, um salário de kz
100,000 (US $1,050) por mês. Feitas as contas, calcula-se que José Eduardo dos
Santos tenha a seu cargo uma guarda de mais de 11,000 homens. O salário de um
guarda presidencial é cinco vezes superior ao salário de um soldado regular do
exército.
Mas a estratégia para manter as rédeas do
Palácio Presidencial não passa apenas por manter uma grande força de segurança.
As relações públicas são também um elemento
importante nos planos do Presidente. A Presidência conta com um orçamento geral
de Kz 4.6 biliões (US $49 milhões) para marketing, um acréscimo em relação aos
US $40 milhões do ano passado. Em 2012 a verba foi integralmente atribuída a
uma empresa privada, Semba Comunicação, propriedade de dois filhos do
Presidente, Welwitschea “Tchizé” e José Paulino “Coreon Dú”. Deste modo, a
família presidencial procurou promover a imagem do seu patriarca, demostrando a
sua abertura em relação ao seu próprio nepotismo e corrupção. Pela mesma via
também se manifestou a projecção da imagem do país no exterior. Todavia, apesar
da abundância financeira, a Presidência nem sequer tem sido capaz de actualizar
regularmente o seu portal na internet.
Em Defesa do País
O OGE cabimenta, em conjunto para a defesa e
ordem pública, 17.6 porcento do total das verbas. Verifica-se um aumento das
despesas, com o referido sector, em relação aos 15.1 porcento do ano passado.
A despesa com o sector social aumentou 0.6
porcento face a 2012. A maior fatia do orçamento deste ano foi atribuída ao
Ministério da Defesa, com Kz 549 biliões (US $ 5.7 biliões), enquanto a verba
para o Ministério do Interior foi fixada em Kz 446.3 biliões (US $4.7 biliões).
Apesar da avultadas somas atribuídas ao
sector militar e de segurança interna, cujos orçamentos continuam a aumentar em
tempos de paz, a disponibilidade orçamental quase não se faz sentir junto
daqueles que mais assistência necessitam – polícias e soldados. O exército
continua com dificuldades em pagar aos seus pensionistas e veteranos de guerra,
que regularmente saem às ruas para reivindicar as suas pensões em atraso. As
Forças Armadas Angolanas (FAA) registam altos índices de tuberculose, entre os
seus soldados, devido às deficientes condições de vida nos quartéis. Nas
províncias, muitos dos aquartelamentos são ainda feitos de pau-a-pique. A
situação das forças policiais, nas províncias, também é de extrema pobreza.
Qualquer viajante, percorrendo as estradas do país, pode confirmar esta
situação, com os múltiplos pedidos de “contribuição” por parte de agentes
policiais famintos e com escassos recursos para pagar a educação dos seus
filhos.
Maka Angola tem em curso uma investigação sobre a distribuição de
bens alimentares ao exército e à polícia e tem vindo a verificar que a maioria
dos contratos de abastecimento (desde dezenas de milhares de dólares até
centenas de milhões de dólares) são atribuídos a empresas fictícias de
generais, membros do governo e seus associados, que muitas vezes nem sequer
entregam os produtos alimentares.
A Verdade Social
Esclarecida a prioridade para o reforço do
Estado policial no OGE, importa estabelecer alguns dados comparativos sobre o
propalado investimento no sector social.
Dos 33.5 porcento da verba atribuída a
serviços sociais, apenas 5.29 são destinados à saúde e 8.09 à educação, num
total de 13.38 porcento do orçamento. As verbas atribuídas à Presidência são
muito mais altas do que a totalidade dos fundos destinados ao sector da saúde,
que recebe apenas Kz 120.2 biliões (US $1.3 bilião).
Em África, enquanto poucos governos cumprem
os compromissos da Declaração de Abuja e destinam 15 porcento dos seus
orçamentos à saúde, muitos países gastam mais de 10 porcento, e alguns até 25
porcento, no sector da educação. É uma vergonha para Angola que um país como a
Costa do Marfim, a recuperar de uma guerra mais recente, gaste 30 porcento do
seu orçamento na educação. Outros países de pequenas dimensões e de escassos
recursos, como a Suazilândia, o Lesoto e o Burkina Faso, investem muito mais na
educação, respectivamente 25, 17 e 16.8 porcento dos seus orçamentos gerais.
Angola, o segundo maior produtor africano de
petróleo, governada por um regime obcecado em ser uma potência regional, não
pode sequer sonhar em competir com a África do Sul, que destina um quarto do
seu orçamento à educação, nem com o Gana, cujo orçamento ultrapassa os 30
porcento.
Mais Espionagem, Menos Agricultura
As contradições do orçamento de 2013
ultrapassam qualquer tentativa de entendimento. O governo continua, por
exemplo, a promover a ideia da diversificação da economia para quebrar a
dependência do petróleo, cujas receitas constituem mais de 95 porcento das
exportações do país. No entanto, o objectivo governamental é contraditório com
o facto de o orçamento do Ministério da Agricultura não ultrapassar os Kz 58.6
biliões (US $611 milhões), enquanto os Serviços de Inteligência e Segurança de
Estado (SINSE) recebem uma verba de Kz 66.6 biliões (US $695 milhões). Angola
tem grande potencial para ser um exportador competitivo de produtos agrícolas,
uma vez que tem alguns dos solos mais férteis de todo o continente, assim como
recursos hídricos abundantes. No entanto, a prioridade parece ser a espionagem.
Pela mesma bitola de prioridades, a
espionagem no estrangeiro é mais importante do que o desenvolvimento de uma
política externa coerente. Os Serviços de Inteligência Externa (SIE) dispõem de
uma verba de Kz 32.6 biliões (US $340 milhões) destinada inteiramente a serviços
de espionagem no estrangeiro, enquanto o orçamento total do Ministério das
Relações Exteriores é de Kz 36.5 biliões (US $380.4 milhões).
As embaixadas angolanas espalhadas pelo mundo
são um verdadeiro pesadelo, tanto para angolanos como para estrangeiros, devido
aos níveis agonizantes de incompetência e arrogância dos seus funcionários,
assim como pela falta de orientação clara em relação aos critérios a seguir
face aos países de acolhimento e aos seus próprios cidadãos. O caso da China é
a única excepção, devido ao papel deste país no esforço de reconstrução
nacional. Segundo dados recentes da embaixada em Pequim, os serviços consulares
angolanos, só nos últimos seis meses, emitiram mais de 221,000 vistos a
cidadãos chineses. Antes disso, e de acordo com dados oficiais, havia já mais
de 258,000 chineses a viver e a trabalhar em Angola.
Sobre a espionagem no estrangeiro há duas
fortes possibilidades. A primeira delas aponta para as autoridades poderem
estar a recrutar serviços privados de inteligência externa, pagos a preços
exorbitantes, para fazer o seu trabalho. É questionável a legitimidade do
executivo do Presidente dos Santos em autorizar um desbaratamento de verbas de
tamanha dimensão, tal como o orçamento parece indicar.
Do mesmo modo, a aposta no desenvolvimento do
país, frequentemente invocada pelo governo, não faz sentido quanto à
distribuição geográfica de recursos. Sete das 18 províncias de Angola têm
orçamentos menores ou iguais à verba destinada aos Serviços de Inteligência
Externa.
Lunda-Sul (0,40 porcento), Namibe (0.41
porcento), Zaire (0.42 porcento), Kwanza-Norte (0.46 porcento), Cunene (0.48
porcento), Bengo (0.50 porcento) e Kuando-Kubango (0.57 porcento) beneficiam
dos Programas de Investimento Público, geridos a partir de Luanda, mas estes,
uma vez implementados, não irão trazer diferenças significativas aos orçamentos
destas províncias.
As verbas continuam a ser menores do que as
destinadas às aventuras de espionagem do governo, que parece investir mais em
brinquedos e operações de custos exorbitantes do que o espião fictício James
Bond e os serviços de inteligência de Sua Majestade, ao seu dispor.
A segunda possibilidade é a mais provável. O
dinheiro destinado aos SIE pode ser usado pelo Presidente para a manutenção da
sua estratégia habitual de corrupção. A transferência de recursos públicos para
as contas privadas de altos dirigentes das Forças Armadas, da Polícia e dos
Serviços de Segurança. Estes dirigentes estão sempre prontos a receber dinheiro
subtraído aos cofres do Estado em troca da sua cumplicidade, apoio e silêncio.
O desenvolvimento em Angola terá de esperar,
uma vez mais, pela saída de José Eduardo dos Santos.
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