Por Alfredo
Muvuma
Está a circular nas redes
sociais uma petição que pretende reunir apoios para a candidatura do
Presidente angolano ao Prémio Nobel da Paz de 2013.
“É de livre e espontânea vontade que um grupo
de cidadãos e cidadãs, angolanos/as e amigos/as de Angola, num livre exercício
de cidadania, em prol de uma causa na qual acreditam, defendem a atribuição do
Nobel da Paz a José Eduardo dos Santos”, diz a petição.
Na internet não está clara a origem da
petição, mas é de supor que a iniciativa pertença àqueles sectores que
prometeram a si mesmos dar dignidade constitucional ao regime de idolatria a
José Eduardo dos Santos que já vigora de facto em Angola. É um regime em que a
sociedade vive permanentemente ajoelhada tecendo loas ao líder.
Não é a primeira vez que fãs de José Eduardo
dos Santos se movimentam para a sua distinção com o Nobel da Paz.
Nos anos 90, do século passado, uma
denominada Liga dos Intelectuais do Cazenga, organizou, no Palácio 10 de
Dezembro, com apoios oficiais, uma cerimónia com o propósito de promover a
candidatura de José Eduardo dos Santos ao Nobel da Paz.
A candidatura morreu com o fim da cerimónia.
Nunca constou que Elísio Costa, o líder da associação, e seus pares soubessem,
ao menos, como encaminhar uma candidatura ao Comité Nobel. Incansáveis, os
aduladores de José Eduardo dos Santos nunca esmoreceram e entre uma distinção e
outra cobriram o seu ídolo com os mais diversos títulos, incluindo a
denominação de “líder clarividente” e outras da mesma categoria.
Mais recentemente, a partir de Fevereiro de
2002, o núcleo duro de apoiantes do Presidente descobriu que o fim da guerra no
país foi obra exclusiva de José Eduardo dos Santos e por isso passou a cobri-lo
com o título de “arquitecto da paz”.
A empolgação com os seus feitos tem rendido a
José Eduardo dos Santos uma catadupa de títulos e honrarias. Mas, frequentes
vezes, a falange de apoio acabar por ridicularizar a figura do próprio
Presidente José Eduardo dos Santos. Assim o fez quando decidiu qualificar o seu
ídolo como “fofucho”.
A petição, actualmente a circular pelas redes
sociais, mostra que os apoiantes de José Eduardo dos Santos continuam à cata de
títulos para o comandante. A recente atribuição, pelas Edições Novembro, do
Prémio Jornal de Angola a JES está muito longe de satisfazer a sua necessidade
de títulos e de reconhecimento internacional.
Ninguém leva a mal que os fanáticos de JES o
queiram coberto com as maiores distinções mundiais. Está até no seu direito
julgarem que o Comité Nobel é injusto para com José Eduardo dos Santos por
nunca o haver distinguido com o Prémio de Literatura ou de Física. Num país
onde muita gente começa a acreditar que deve à generosidade de José Eduardo dos
Santos o ar que respira ou a água que bebe, não custa admitir que o presidente
angolano seja visto como vítima de uma conspiração internacional destinada a
afastá-lo das maiores distinções mundiais.
Na verdade, José Eduardo dos Santos tornou-se
no centro de toda a vida nacional. O ministro da Educação não ousa abrir o ano
lectivo sem a “orientação” de José Eduardo dos Santos. O ministro da Saúde
arrisca o cargo se ousar entregar uma simples ambulância a um hospital sem a
“orientação de Sua Excelência”. A ministra do Comércio só pode nomear um chefe
de secção por delegação de José Eduardo dos Santos. O ministro da Economia pode
ser defenestrado do Governo se não atribuir a José Eduardo dos Santos a
orientação para uma reunião de trabalho com operadores económicos. O ministro
da Juventude e Desporto reitera publicamente que os seus neurónios só funcionam
com inputs de José Eduardo dos Santos. Se o Orçamento Geral do Estado destinou
mais dinheiro às áreas da Saúde e da Educação é óbvio que isso se deve
atribuir, mais uma vez, à generosidade de “Sua Excelência”. Como é também à
generosidade de José Eduardo dos Santos que os angolanos devem a construção ou
reconstrução de infra-estruturas básicas como pontes ou estradas.
Enfim, os angolanos são diariamente induzidos
a acreditar que sem José Eduardo dos Santos este país soçobra automaticamente.
E o dramático é que o próprio JES
aparentemente acabou enredado na propaganda ao ponto de acreditar, piamente,
que é o único ser talhado para dar rumo a este país. Por isso ele se julga
merecedor de todas as distinções existentes à escala planetária. Essa obsessão,
explica, em parte, a sua tácita aprovação a todas as iniciativas lançadas em
sua homenagem, com vista a obter prémios internacionais para si, mesmo que
alguns promotores não tenham a menor credibilidade.
Os autores da referida petição online
incluem, entre as razões que justificariam a atribuição do Prémio Nobel da Paz
a José Eduardo dos Santos, o “facto” de ter sido o garante da “independência e
a paz na África do Sul”. Aqui está a prova de que fanatismo não casa com
racionalidade. Se os peticionários se conduzissem pelos caminhos do bom senso
saberiam que quando a África do Sul se tornou independente, em 1910, José
Eduardo dos Santos não existia!
Diz-se na petição que José Eduardo dos Santos
deveria receber o Nobel da Paz por ser o “garante” da “estabilidade” no
Zimbabwe e da “paz” nos Congos. Mas tanto as alegações de estabilidade no
Zimbabwe como de paz nos Congos (pelo menos na RDC) são, no mínimo,
problemáticas.
José Eduardo dos Santos é apresentado como o
mais firme defensor dos direitos humanos Como prova, os seus arautos argumentam
o facto do Presidente ter criado uma Secretaria de Estado dos Direitos Humanos.
Mas em Angola aqueles que se manifestam nas ruas contra o governo são
espancados e presos e em certas zonas do país, como as províncias diamantíferas
das Lundas, as populações locais são vítimas recorrentes de tortura e
assassinatos. Extraordinário também é o facto do Presidente ter nomeado para o
cargo de secretário de Estado dos Direitos Humanos o general Bento Bento, que
se encontra na lista de procurados da Interpol por suspeita de actos de
terrorismo contra cidadãos estrangeiros em Cabinda.
Outra razão para distinguir o líder angolano
com o Nobel da Paz seria o facto de ele combater a pobreza. Mas em Angola,
apesar do acelerado crescimento económico da última década devido aos altos
preços do petróleo nos mercados mundiais, os índices de desenvolvimento humano
permanecem entre os mais baixos do mundo. A fome e a desnutrição infantis são
flagelos em algumas zonas do país.
Para os peticionários, na escolha dos
laureados, o Comité Nobel também deveria levar muito a sério o facto de o
Presidente angolano combater a violência doméstica. Justificam também como,
argumento fundamental, o facto de ter nomeado o general Nunda para o posto de
chefe do Estado Maior General das Forças Armadas Angolanas. O primeiro caso
demonstraria a sua superior sensibilidade para com os direitos humanos e o
segundo seria prova da sua magnanimidade. Os apoiantes de JES continuam a
creditar o general Nunda na “quota” da UNITA quando é público que ele não se
rendeu nem foi capturado na frente de batalha. Ele demarcou-se do exército de
Jonas Savimbi e foi um precioso aliado do general João de Matos na perseguição,
localização e neutralização das tropas da UNITA.
Estranhamente, os peticionários não apontam
ao Comité Nobel nenhum sucesso de José Eduardo dos Santos na luta contra a
corrupção e pela melhor distribuição da riqueza nacional. Por que será?
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