quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

Albert Camus. As concepções colonialistas difundem-se através da escola, da igreja, da família



Como o depoimento acima indica, Albert Camus viveu sempre a ambigüidade de ser “pied noir” na França e um descendente de colonizador na Argélia. O escritor peruano Mario Vargas Llosa considera, por isso, que Camus foi sempre um homem de fronteira:

http://www.algosobre.com.br/historia/administracao-colonial.html

“Acho que para entender-se o autor de L’Etranger é útil levar-se em conta sua tripla condição de provinciano, homem da fronteira e membro de uma minoria. As três coisas contribuíram parece-me, para sua maneira de sentir, de escrever e de pensar. Foi um provinciano no sentido cabal da palavra, porque nasceu, educou-se e se fez homem muito longe da capital, no que era então uma das extremidades remotas da França: África do Norte, Argélia. Quando Camus instalou-se definitivamente em Paris, tinha cerca de trinta anos, quer dizer, já era, em essência, o mesmo que seria até sua morte. Foi um provinciano para o bem e para o mal, mas sobretudo para o bem, em muitos sentidos.” (LLOSA, 1983: 231).

Deve-se recordar, ainda, que Camus recebeu educação escolar essencialmente francesa e como “...é através da educação que a herança social de um povo é legada às gerações futuras e inscrita na história” (MUNANGA,1988: 23), observamos através de sua biografia que Camus, assim como os alunos árabes que estudavam com ele, ouvia na escola que havia uma hierarquia de civilizações e também que os seus ancestrais eram os gauleses, muito embora isso não queira dizer que os professores acreditavam que seus alunos árabes ou cabilas descendiam de Vercingétorix. Como assinala Todd (1998: 34), os franceses buscavam a assimilação pelo ensino: “confundindo seus interesses com os nossos, os indígenas compartilham conosco a herança do passado: nossos ancestrais tornam-se os deles”. Concebendo para si uma identidade que os situavam historicamente como os valorosos sucessores dos turcos, árabes, bizantinos, vândalos, romanos, cartagineses, justificavam com isso aquilo que consideravam uma missão civilizatória a ser desempenhada no continente africano. Essas idéias não pareciam nem contestáveis nem racistas aos alunos e aos professores franceses. Embora os professores não necessariamente concordassem com a existência de uma hierarquia entre as raças, valorizavam uma hierarquia das civilizações, desfavorável aos povos não europeus, sendo que a história da Argélia “é apresentada como uma pane de treze séculos entre as colonizações romanas e francesa.” (TODD, 1998: 34).

As concepções colonialistas difundem-se através da escola, da igreja, da família, enfim do meio social, mas é no convívio com seus melhores amigos que o jovem Camus se aproxima de uma visão crítica em relação ao colonialismo. Seus amigos afirmam que detestam “o estado de espírito dos colonos, que se apressam em afirmar que os árabes são preguiçosos, sifilíticos, hipócritas e ladrões. Mas esses colonos precisam dos “indígenas” para fazer os pequenos trabalhos na cidade e os grandes no campo. Revoltados com os salários miseráveis, Robert e Claude levam Albert a tomar consciência dos problemas sociais para além de Argel.” (TODD, 1998: 63)

Os alunos argelinos tinham, assim, uma educação eurocêntrica, que desconsiderava, por exemplo, a geografia e a história cheia de sol e luminosidade dos países africanos. Falava-se de ancestrais loiros de olhos azuis, escamoteando a cultura, a origem africana, como se antes da invasão dos europeus não existisse história nessa região.

Como vimos anteriormente há também uma hierarquia entre os franceses de origem européia instalados na África que são chamados por pieds-noirs para distinguí-los dos franceses da Europa, mas esses pieds-noirs quando na colônia, no caso a Argélia, sentem-se superiores aos povos de origem africana e muitos defendem a cultura assimilacionista, como por exemplo o tio de Camus, Gustave Acault que “despreza a burguesia, mas também diz “os indígenas” sem maldade. Aberto, ambivalente, como a esmagadora maioria dos “pés-pretos”, homem esclarecido, Acault acredita no homem universal. Os muçulmanos realizarão sua essência humana tornando-se franceses” (TODD, 1998: 47).

Neste processo de socialização as influências do ensino formal se combinam com as influências do cotidiano do bairro pobre e multicultural de Belcourt:

“na rua de Lyon, vozes francesas, árabes, espanholas, italianas se misturam. As crianças berram, os cães se perseguem e se “espicaçam”, os bondes tilintam, os burros surram. Na primavera, já ao amanhecer o sol bate nas cores e nos aromas. Cheira a canela, anis, açafrão, água sanitária, alho, azeitona, pimentão caramelado. Músicos passam com tantãs, flautas e castanholas. À tarde as pessoas dormem. Albert detesta as sestas obrigatória ao lado da avó – e aquele odor rançoso de mulher velha. Os bairros nobres, El-Biar, Hydra, o centro de Argel esvaziam-se no verão como uma pia enorme - mas não Belcourt. Lá as crianças em férias invadem as ruas e perturbam os comerciantes.” (TODD, 1998: 30)

Camus faz parte desta sociedade de encontro de culturas, recebe influência majoritariamente européia mas em seu cotidiano está o povo, o som, a luz, o cheiro, o gosto do norte da África, que jamais o deixará, mesmo se visualizados sob o prisma de um olhar eurocêntrico, como atesta uma anotação escrita em seu diário em julho de 1949, aos 36 anos de idade, em viagem rumo à América Latina:

Imagens:
Albert Camus. http://www.smh.com.au/ffximage/2006/04/06/writers.jpg
Cartão postal francês de 1918 mostrando um trocador de dinheiro argelino
http://pt.wikipedia.org/wiki/História_da_Argélia

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