quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

A Epopeia das Trevas (69). Governar é uma arte, os idiotas acham que não



Reconheci-te fugitiva da janela do avião
furtiva. Numa tarde africana sem fim
sempre demasiado pálida, sem serenidade
desgastada, com muita chuva tropical
Sempre no sonho que corria para ti
e abraçámo-nos
Olhámo-nos durante quase cinquenta anos
da História que nos persegue

Da doce ternura apunhalada
Enquanto a chuva violentava a nossa fragilidade
Porque o Universo deixou
é apenas
Um homem e uma mulher fingindo amarem
Despertei, perdi-te para sempre
É por isso que viajo na esperança
De encontrar-te à janela
de um avião furtivo

A minha terra natal era o meu mundo
Lembro-me de sentir a sua força
quando caminhava no seu chão fecundo
Agora ando carregada, perfumada, lançada ao imundo
Das gerações sem vida
da ditadura angolana
do seu petróleo
dos seus diamantes
do futebol e dos estádios reais
inflamantes, infamantes

Era graciosa, sem correntes, aprisionada no trânsito dos riachos
E dos seus jardins celestiais que me ensinavam a ser mulher
Divina como uma sinfonia
no capim celestial
Diziam-me que a Natureza era um quadro, uma pintura
executada pelos meus antepassados
Que vieram de muito longe

E que os bebés amamentavam-se da seiva das flores
Diziam deles que eram outras frágeis pinturas
Outras criaturas, outras flores no jardim celestial para sempre proibidas
de serem colhidas

Que foi assim que tudo começou no nosso Mundo
Os rios eram serpentes e o sol convidou-os a meditar na vida
Continuava tudo assim até que um ditador vendeu-nos
vendeu
Os raios do sol que brilhavam nas pedras transparentes
Perdi o presente e hipotequei o meu futuro

Sentava-me amanhecida no alto do morro do Moco
E esperava que o sol me cativasse
Em baixo as pessoas floresciam na transparência matinal
Movendo-se para a tristeza do infinito estender suplicante
Das mãos, do corpo na solução mendicante
Sem rumo, sem universo visual
Que jaz no palácio presidencial
dele, deles

O meu quotidiano terminou
Era um conjunto de recordações permanentes
É imperador, rei, o nosso presidente
decerto de Shaka Zulu descendente
Em pré guerra civil sempre vivente
Desesperando que o mandato messiânico arquitectado
sem eleições presidenciais
Perdure nas gerações vindouras, perpetuado

Governar é uma arte, os idiotas acham que não
Com as cabeças de picos agrestes tão distantes
Como uma sensibilidade difícil, onde não se planeja
Dirigir é tão suave, simples

O ditador complica o que é tão fácil

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