quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

A Epopeia das Trevas (83). Porque o meu petróleo e diamantes estiveram, já aqui não restam, estão muito além do mar


O alvoroço dos novos-ricos na caça cobreada sem pausa
não deixam que descansemos, de revolver o intacto
Nem sobras, nem quebras, nem protestos
Que somos abençoados com notável cheiro em polvorosa
Dai aos novos senhores, o que é deles
A submissão dos iletrados é pertença dos escravos

Danço e não encontro o centro do meu Universo
Milénios são passados no meu rosto
Do crispar, do ranger de dentes
do rosnar eterno

Normalmente tenho a pretensão de dizer tudo
Ao silêncio imposto de todos os dias
Que nascem e escondem a minha máscara
eleita do meu coração sem deleite
Rapidamente vê-lo destroçado
o meu país, Angola

As estradas e os comboios são a nossa distracção. Alimentam muitas cargas e poucas descargas. Conjuntos de metal que circulam carregados até ao mar. Petróleo, cobre, zinco, ouro, urânio, diamantes… muitos metais raros. Depois exportam-nos, aviam-nos. Permitem-nos observar essas mercadorias -fotografá-las não porque o deus marxista-leninista está sempre presente – que impedem o nosso sustento. Depôs os marxistas-leninistas abandonam-nos oferecem-nos a abastança da fome negra. Angola, Etiópia, Libéria, Sudão, e muitos mais …

O desgosto económico, a corrupção, a arbitrariedade
Perdi as incontáveis vezes em que fui libertada
por soldados-ditadores

Para onde irei, não sei, roubaram-me o
casebre
e as orquídeas dos jardins
Sem perfume, com azedume, para onde irei
não sei
Lembrem-se de mim, ando por aí à procura
Dalgum governante honesto. Digam que nunca mais acaba
o meu tormento
Grito no mais profundo virgem florestal
digam, procurem o nosso Deus ancestral
Se o encontrarem nos círculos sagrados
quando ousarem ir ao profundo da floresta sagrada
Lembrem-se de mim, não receiem, lá estarei

Tragam-me um navio sem escravos
sem presentes e sem presidentes eternos

Tento recompor os destroços perdidos
dos barcos que encalham nos meus olhos
Passeando, sulcando o oceano das minhas lágrimas
Sempre na procura mais longa que prometi
voltar e lembrar dos vinte da praia de Jamestown

Mendiga na rua nua sem espelho para me mirar
Digam-me para voltar a lutar
e rematar, e matar
Perdi-lhes a vontade, já não os amo
odeio-os
Porque o meu petróleo e diamantes
estiveram, já aqui não restam
estão muito além do mar


«É preciso ser preto para ser angolano?
É preciso ser preto para ser da UNITA?
Para os que estão por dentro dos meandros da política angolana, as minhas posições são claras. Para os que estão por fora, em particular para os meus amigos portugueses, tais posições poderão parecer contraditórias. E isto porque, usando o mais nobre critério jornalístico (a liberdade), tanto critico o MPLA e o Governo angolano (são ambos a mesma coisa) como o faço em relação à UNITA e ao seu Presidente.

Sou angolano, nasci em Angola, lá estudei, brinquei, cresci e me fiz homem. Mesmo que tenha sido obrigado pelos acontecimentos históricos a abandonar o país onde nasci, e a utilizar a nacionalidade portuguesa dos meus pais, o meu coração esteve lá, está lá e estará sempre lá, quer o MPLA queira ou não, quer a UNITA queira ou não.

Nunca me conformarei com o estado a que o meu país chegou. Nunca me conformarei com a miséria, a fome, a indignidade, o roubo e tudo o que de mau tem acontecido no meu país. Não acredito que tudo isto seja consequência da guerra e estes últimos sete anos de paz, confirmam que todo o mal que existiu e que continua a existir se deve aos governantes do MPLA.

Duvidam? Em sete anos de paz, nada mudou. A fome, a miséria, a indignidade, a mortalidade infantil, os roubos, os assassínios e tudo o resto continuam a somar pontos na minha terra porque, de facto e de jure, poucos têm milhões e milhões têm pouco ou nada.

Portanto sou militante e conscientemente da oposição ao actual Governo angolano e ao partido que o sustenta, o MPLA.

E, quer acreditem ou não os que estão dentro, fora, ou fora e dentro, sou “militante”, ou pelo menos assim me considero, da UNITA.

Compreendo que muitas das minhas posições contra a actuação da UNITA não sejam bem aceites por muitos dos seus militantes, desde logo porque – também no Galo Negro – ser branco nada ajuda a ser considerado angolano.

Aprendi ao longo da minha vida que não me sentiria bem se ficasse quieto perante o que considero errado. E muitas das vezes não estou de acordo com a actuação da UNITA e da sua actual Direcção. Ou mais grave ainda, com a sua não actuação, um misto de passividade e lentidão que não se coaduna com quem quer ser alternativa de poder.

A UNITA foi dirigida durante muito tempo por alguém cuja estatura e inteligência eram suficientemente grandes para que os seus militantes estivessem descansados. Quando Jonas Savimbi foi assassinado, a UNITA considerou que a democracia interna era a única hipótese que tinha de sobreviver. E estava certa. A democratização interna fez o Partido sobreviver e fortalecer-se.

O que eu critico muitas das vezes na UNITA é a falta de acção, de actuação, a maneira burocrática e prenhe de lentidão como tudo é decidido, o arrastar das decisões, discutidas até à exaustão numa democraticidade interna que se é boa ao nível das grandes linhas, é um empecilho ao nível da execução, parecendo-me muitas vezes um claro exercício de suicídio político.

Comparativamente, o MPLA está em todas, lidera em força e com alguma qualidade (reconheço) quer as acções internas quer externas, vai somando – em Portugal, por exemplo - apoios em todos os estratos políticos, empresariais e intelectuais, para além de alargar os tentáculos do partido/regime a um cada vez maior número de empresas portuguesas.

Quanto à UNITA, qualquer branco que se aproxime é considerado suspeito... até prova em contrário. Há excepções, há sim senhor. Mas essas excepções servem apenas, e infelizmente, para confirmar a regra.

Contudo, manda a verdade que se diga que é mais fácil a qualquer branco singrar no MPLA do que na UNITA. É pena. Isso não signfica que, no meu caso, mude de trincheira ou engrosse a coluna dos que se afastam sem destino determinado.

Se, em 1975, Rosa Coutinho e todos os seus lacaios não alteraram as minhas convicções, não é agora que alguém o conseguirá fazer. Mas que somos cada vez menos... isso somos.»

Imagem: http://www.chargeseditoriais.com/

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