terça-feira, 8 de janeiro de 2013

A Igreja Universal do Reino de Deus e o Poder de JES. Por Alfredo Muvuma


A tragédia ocorrida na noite da passagem de ano no estádio da Cidadela, que resultou em 13 vítimas mortais e 120 feridos, ofereceu às autoridades todas as condições morais e jurídicas para pôr cobro ao charlatanismo da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD).
Essa mesma tragédia poderia ser o ponto de viragem para o Estado libertar centenas de milhar de angolanos das tenebrosas teias desta organização pseudo-religiosa.
Mas, lamentavelmente, tudo se encaminha para que a seita fundada pelo brasileiro Edir Macedo saia mais fortalecida do sangrento episódio por si promovida.
A criação da Comissão de Inquérito pelo Presidente da República é um claro indício de que as autoridades angolanas não têm o menor interesse em indispor a IURD.
Hipoteticamente, quer pela sua representação em termos eleitorais quer pelo seu poderio económico-financeiro, as autoridades angolanas acabam demonstrar publicamente o seu temor e reverência face à seita brasileira.
No pior dos cenários, a IURD e os seus líderes serão confrontados com uma simbólica reprimenda no sentido de “reforçarem as medidas de segurança” e de “criarem condições para que tão dramáticos e dolorosos acontecimentos nunca mais voltem a repetir-se”, como se lê na nota de condolências da Presidência da República.
A Comissão de Inquérito criada pelo Presidente da República é um artifício que persegue dois objetivos simultâneos. Por um lado, dar algum “conforto” às vitimas da tragédia e aplacar a ira e a indignação da sociedade. Por outro, procura ganhar tempo para, depois, assegurar à IURD que não irá sofrer nenhumas consequências pela tragédia por esta provocada.
Nos termos do despacho presidencial, a Comissão de Inquérito deverá apresentar a José Eduardo dos Santos, no prazo de 15 dias, um relatório dos seus trabalhos. Além do ministro do Interior, que a coordena, e da ministra da Cultura, vice-coordenadora, a comissão integra ainda os ministros da Administração do Território, da Justiça, Saúde e da Juventude e Desportos.
Ao total de seis ministros, junta-se ainda o governador de Luanda. Esses dignitários deverão apoiar-se num grupo técnico, que além do secretário de Estado que o coordena, ainda tem de escolher os restantes integrantes.
Quando, finalmente, os seis ministros conseguirem compatibilizar as respectivas agendas com a do governador de Luanda para a primeira das muitas reuniões da Comissão de Inquérito, provavelmente já terá sido consumida mais de metade do prazo dado pelo PR. E quando todos os integrantes da comissão estiverem juntos para a reunião com os membros do grupo técnico, é quase seguro que isso acontecerá já depois de expirado o prazo presidencial. E nessa altura já estará a desaparecer a onda de indignação face à tragédia ocorrida no estádio da Cidadela.
José Eduardo dos Santos criou uma estrutura para, em 15 dias, conseguir aquilo que Polícia Nacional levou menos de 24 horas a fazer para apurar as causas da tragédia.
Em comunicado, a Polícia Nacional incluí entre as razões do desastre, a distribuição, pela IURD, de material propagandístico com promessas de cura e resolução de males como inveja, feitiçaria, dívidas e miséria. Atraídos pela enganosa publicidade, milhares de angolanos, provenientes de várias províncias do país, acorreram à Cidadela Desportiva, o que “causou excessiva lotação na parte interior” do estádio.
O Ministério do Interior revela também que a IURD dispensou os “planos operacionais” que a Polícia e o Serviço Nacional de Protecção Civil e Bombeiros conceberam para o que se supunha ser uma cerimónia religiosa.
No mesmo comunicado, o Ministério do Interior anunciou ter ordenado à Direcção Nacional de Investigação Criminal (DNIC) a abertura de um inquérito para apurar as responsabilidades pelo ocorrido. Os resultados desse inquérito seriam submetidos ao Ministério Público.
Em suma, o Ministério do Interior sintetizou o que a todos parece óbvio – a responsabilidade da IURD. E era no sentido da responsabilização incondicional da IURD que se encaminhavam as expectativas da sociedade.
A criação de uma Comissão de Inquérito veio, porém, mostrar que o Presidente da República tem outros planos.
Ninguém duvide. José Eduardo dos Santos dará ao relatório exigido à nova Comissão de Inquérito o mesmo destino dos relatórios das centenas de comissões de inquérito que vem criando ao longo dos seus 33 anos de poder: a gaveta da sua secretária ou o balde de lixo.
No fundo das gavetas ou nos trituradores de papel jazem os relatórios e restos dos inquéritos mandados instaurar pelo PR, na sequência de desastres aéreos e outros episódios que enlutaram o país.
Em situações embaraçosas, o modus operandi de José Eduardo dos Santos tem sido invariável.
A inclusão do governador de Luanda na actual Comissão de Inquérito é uma prova adicional de que José Eduardo dos Santos não está interessado em apurar responsabilidades e confrontar a IURD.
A seita de Edir Macedo tem andado de mãos dadas com o Comité Provincial do MPLA de Luanda, dirigido pelo mesmo Bento Bento. A IURD e o CPL do MPLA gabam-se publicamente da parceria que os une. Bento Bento é um dos fiéis mais influentes da referida seita.
Não há muitas voltas a dar. Se estivesse interessado no completo apuramento dos factos e na posterior responsabilização criminal dos promotores da tragédia, o Presidente da República só teria de fazer o óbvio. Teria encorajado o Ministério do Interior, através dos seus órgãos especializados, a prosseguir com o seu trabalho. Competiria, depois, ao Ministério Público o passo seguinte, ou seja, determinar se haveria ou não lugar a responsabilização criminal da IURD.
Lamentavelmente, parece não ser esse o caminho escolhido por José Eduardo dos Santos. Tudo indica que as vítimas e seus familiares poderão nunca ver atribuídas responsabilidades pela tragédia do fim de ano, por iniciativa política do Presidente da República.

Sem comentários: