Já contei
que, nas madrugadas, dedico alguns bons minutos aos programas dos pastores
evangélicos que inundam a televisão aberta. É prática que recomendo ao leitor.
Se as novelas consistem em ficções bobas para agrado de desmiolados, nos
programas religiosos não há ficção alguma. É a realidade nua e crua: hábeis
comunicadores extorquindo o último centavo de uma massa de crentes analfabetos
ou semi-alfabetizados. Há milagres a granel. Pelo simples fato de comparecer ao
culto, paralíticas passam a caminhar, ceguinhas passam a ver, cancerosos se
curam de câncer, aidéticos se curam de Aids. Expulsam-se também demônios do
corpo de endemoninhados. Aleluia! Louvado seja o Senhor Jesuis!
Meus diletos
são o pastor Edir Macedo, da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD), Romildo
Ribeiro Soares, da Igreja Internacional da Graça de Deus – mais conhecido como
R. R. Soares – e Valdemiro Santiago, da Igreja Mundial do Poder de Deus. A IURD
foi fundada em 1977. Hoje está presente em quase 200 países, sendo mais
disseminada nos de língua portuguesa. Após oito anos de fundação, dispunha de
195 templos em 14 Estados brasileiros. Trinta anos após sua fundação, a IURD
possuía no Brasil mais de cinco mil templos, treze milhões de fiéis e quase 15
mil pastores.
R. R. Soares
– cunhado de Edir Macedo – e Valdemiro Santiago são dissidências da IURD.
Insatisfeitos com a partilha do botim, criaram suas próprias igrejas. Tendo
fundado a sua em 1980, Soares conta com mais de 2.000 igrejas espalhadas por
todo o país. Valdemiro Santiago, que tem apenas o quinto ano primário,
desentendeu-se com Edir Macedo em 1997. Fundou sua igreja e em 2009, já
dispunha de mais de 2.000 templos no Brasil e exterior. Nunca foi tão fácil
enganar tanta gente em tão pouco tempo.
Soares já
teve um total de 100 horas por semana de programação nas emissoras de alcance
nacional, mas perdeu a posição de liderança para Valdemiro Santiago, agora o
religioso com o maior tempo de exposição na TV aberta no Brasil. Fico perplexo,
vendo aqueles milhares de panacas siderados pelas bobagens proferidas pelos
bispos. A câmera insiste em dar closes nos rostos mais compungidos, olhos à
beira das lágrimas, gestos de adesão incondicional ao embuste. Mas a vida é
isso mesmo. Sem panacas, não existiria igreja alguma.
Não se vê um
só assento vazio nos templos. Vazia deve ser a vida daquelas quatro ou cinco
mil pessoas que lotam cada galpão. Que perdem noites de repouso ou lazer,
convivência com a família, para ouvir o bíblico besteirol de vigaristas bem
falantes. Não por acaso evangélicos e católicos estão agora disputando
acirradamente as mentes dos bugres no Brasil. Os criadores de religiões desde
há muito sabem que, nos dias atuais, só podem esperar colheita se semearam
entre os brutos. Templo é dinheiro.
Em verdade,
eu dedicava alguns minutos aos pastores. Cansei. Sempre a mesma lengalenga.
Mesmo assim, de vez em quando volto lá. Vivo em um ambiente muito rarefeito,
onde a vigarice não tem vez. Então, para ter uma idéia do vasto mundo que me
cerca, sem precisar freqüentá-lo, recorro à televisão.
Segunda-feira
passada, o Ministério Público Federal denunciou Edir Macedo e mais três
vigaristas ligados à IURD por lavagem dinheiro e evasão de divisas, formação de
quadrilha, falsidade ideológica e estelionato contra fiéis para a obtenção de
recursos para a igreja. Segundo a denúncia do procurador da República Sílvio
Luís Martins de Oliveira, o dinheiro era obtido por meio de estelionato contra
fiéis da IURD, por meio do “oferecimento de falsas promessas e ameaças de que o
socorro espiritual e econômico somente alcançaria aqueles que se sacrificassem
economicamente pela Igreja”.
Ação
semelhante já havia sido proposta em 2009 pelo Ministério Público Estadual, mas
foi anulada pela Justiça estadual no fim do ano passado. O argumento usado foi
que o assunto era da competência da Justiça Federal.
Um amigo de
boteco, cuja firma administra o aluguel do Templo Maior da IURD em São Paulo,
localizado no bairro Santo Amaro, contou-me detalhes interessantes. Com sete
mil metros quadrados de área construída, tem capacidade para abrigar quatro mil
fiéis, sendo o maior templo religioso da cidade. Sob o altar – ou como quer que
se chame aquele palco de onde os bispos peroram – foi construída uma sala
subterrânea. O que inclusive gerou problemas com a Prefeitura. Mas afinal não
há nada que não se resolva com uma boa conversa, regada com certos incentivos.
O dinheiro
dos dízimos cai diretamente do palco para a sala subterrânea. Dali é levado por
túneis para distintos pontos da cidade. A Folha de São Paulo conta o
resto da trajetória: o dinheiro é transportado em jatinhos e depositado em
contas definidas pelos bispos, principalmente no Banco do Brasil e no Banco
Rural. Uma primeira pergunta se impõe: o Banco do Brasil não se pergunta pela
origem destes recursos? Aparentemente não. Afinal, desde 2000 a IURD é um dos
mais fiéis aliados de Lula e do PT.
O transporte
por subterrâneos parece ser generalizado. Segundo a denúncia do MPF, na maioria
das vezes, os valores eram entregues por caminhões e chegavam em malotes. Houve
ainda casos, segundo Cristina Marini, sócia da casa de câmbio Diskline, em que
ela foi apanhar o dinheiro em subterrâneos de templos no Rio. Ainda segundo a
doleira, a IURD começou a enviar dinheiro da Igreja Universal para o exterior
em 1991. As operações teriam se intensificado entre 1995 e 2001, quando remetia
em média R$ 5 milhões por mês, sempre pelo sistema do chamado dólar-cabo – o
dono do dinheiro entrega dinheiro vivo em reais, no Brasil, ao doleiro, que faz
o depósito em dólares do valor correspondente em uma conta para o cliente no
exterior.
Desde há
muito venho afirmando que as tais de igrejas neopentecostais são um caso de
polícia. Sempre me espantou que tais pastores ainda não estejam na cadeia. Não
é o caso apenas de Edir Macedo. Todos eles – e são bem mais que três – vivem da
exploração da credulidade pública. Verdade que, se pensarmos um pouco mais,
toda religião vive disto, inclusive a católica. Padres vivem de enganar o
próximo. Dízimo não é invenção dos telepastores. Esta sagrada propina, é bom
lembrar, já está no Levítico: Quanto a todo dízimo do gado e do rebanho, de
tudo o que passar debaixo da vara, esse dízimo será santo ao Senhor.
A diferença
é que a Santa Madre Igreja Católica não é tão agressiva na cobrança da propina
que dá acesso à vida eterna. Mas qual Ministério Público ousará pedir a cabeça
dos sacerdotes de Roma? Dois mil anos dão mais prestígio que duas ou três
décadas.
Imagem: praxiscrista.blogspot.com
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