A origem da grande depressão de 2008 (VII). Novela
27.10.2008 - 15h40 - Carlos Rocha, Porto Portugal
Pois!...Os bancos já não têm dinheiro para alimentarem os especuladores que investiram na bolsa de matérias primas e acumularam grandes quantidades de crude em super petroleiros no alto mar, o que durante algum tempo provocou a escassez deste bem essencial e consequentemente o aumento dos preços. Só que com o aumento da produção e a redução do consumo. A procura diminui e os especuladores deixaram de pagar aos bancos. Daí a crise financeira em que nos encontramos, que ao contrário do que nos dizem, não tem nada a ver com o imobiliário nos USA. Andam-nos a mentir!... E sabem de quem era este dinheiro que os especuladores do crude utilizavam para enriquecerem à nossa custa com o amento dos combustíveis? Era o nosso dinheiro, são as nossas economias, que pomos nos bancos pela qual nos pagam uma ridicularia de juros, e até esses juros nos são depois sugados com a sua aplicação na especulação de bens essenciais como os combustíveis.
In Público última hora
- Estudas?
- Consegui com muito custo a instrução primária, mas não aprendi nada. Para prosseguir os estudos não há vagas. É necessário pagar uma pequena fortuna. Na universidade privada nem pensar. Para pagar é outra, uma grande fortuna. Não teria tempo para roubar…para pagar os estudos.
- Então passas a vida a roubar?
- Bom… não é bem assim. Só estou a pedir o que o Mpla me deve.
- Mas roubas pobres inocentes que não tem culpa nenhuma. Porque não roubas aos ricos?
- Mô kota branco… esses não dá. Estão bem protegidos. Onde eles estão nem um grão de areia passa. Tenho que roubar para não passar fome. Somos bwé nessa vida, os police não nos aguentam.
- Então, roubas qualquer pessoa?!
- Não… só roubo brancos nas praias e quando estão distraídos nos carros. Dá-me uma grande vontade de rir quando os assaltamos. Ficam tão assustados que até me dá pena. São muito medrosos. Roubamos telemóveis… temos um jovem engenheiro que conhece todos os segredos. É um bom negócio. Roubamos tudo o que pudermos. Roubar brancos…desculpa. Pelo que tu fizeste por mim… já não mando mais roubar brancos.
- Não mandas mais (!)
- Não!.. chefio uma quadrilha no Sambizanga. Nasci lá… o meu pai e a minha mãe morreram na guerra. Tenho uma irmã muito bonita que está a viver na casa de uma tia…depois vais conhecê-la.
- Sabes quem foi Malcolm X?
- Foi um black americano muito fixe. É o meu herói… desejo ser como ele.
- Sabes que ele terminou assassinado à bala?
- Sei... também sei que será esse o meu destino. Quando os police me apanharem… matam-me.
Faz-se sempre necessário analisar a vivência de Malcolm X. Ele que nasceu e cresceu numa sociedade extremamente violenta, profundamente abundante de discriminação racial. Acho que ele acreditava que, mais dia, menos dia, acabaria por ser abatido a tiro. Talvez preparasse o destino, o caminho glorioso de Martin Luther King. Talvez se trate também apenas do Profeta e do seu Seguidor. Afinal, Jesus Cristo pregou perante uma violência extrema e foi morto. Os seus seguidores depois de muitos séculos pregaram, e continuam a pregar a paz, mas curiosamente o Mundo apresenta-se cada vez mais violento.
Trazia as folhas de papel com o texto que havia tirado do computador, e anunciei-lhe:
- Posso ler-te um texto?
- Um texto?!.. Se for para me dares lições de moral, esquece.
- Não, é sobre Malcolm X.
- Ya, ya, quero ouvir.
MALCOLM X, revolucionário americano (1925-65)
Aos 20 anos já estava na prisão, condenado por assalto com arrombamento. Depois foi o tempo da droga, do álcool, o jogo, a prostituição. Uma vida idêntica às de muitos outros homens da sua idade, da sua condição, com o seu tom de pele. Até que um dia...
Quando a mãe ainda o trazia na barriga, contará mais tarde, um bando de homens do Ku Klux Klan a cavalo atacou durante a noite a quinta isolada onde vivia a família. Era o seu pai que eles queriam. Pastor baptista, era um fervoroso divulgador das ideias de Marcus Garvey, cuja utopia era o retorno dos negros da América ao Continente Africano. Nessa noite o pai não estava lá, mas os cavaleiros do Apocalipse branco voltarão alguns anos mais tarde para queimarem a casa. E, em 1931, acabarão mesmo por abater o pastor.
Malcolm Little era o sétimo filho do casal. Nascera com a pele um tudo-nada clara, marca do rapto distante da sua avó por um branco. Depois da morte do pai, a mãe acabara por ser internada num asilo para loucos, mas Malcolm conseguirá sobreviver a esta conjugação de desgraças tornando-se como que um estudante-modelo. Para a comunidade branca de Lansing (Michigan), localidade onde crescerá numa espécie de casa de correcção, tornar-se-á mesmo o protótipo de um "bom negro", um exemplo que a "boa sociedade" não poderia deixar de destacar: provindo de uma família marginalizada, criança instável, rejeitada por muitos, conseguiria ainda assim preparar-se para encontrar um rumo para a sua vida, graças, claro, ao auxílio dos brancos.
Malcolm Little, adolescente, torna-se assim um "negro branco", um desses "pai Tomás" que ele próprio repudiará mais tarde. Desfrisara os cabelos, preferia as mulheres de raça branca, tentava imitar o americano médio sob todos os aspectos. Todavia, cedo acabará por se aperceber de que não será nunca um branco: mesmo que o seu comportamento agrade aos brancos, ele nunca verá o seu trabalho pago como o de um branco e jamais terá o lugar social deste. E tal como muitos daqueles a quem o american way of life seduziu sem lhe dar meios para nele sobreviver, Malcolm Little começaria a contornar as dificuldades pela via da marginalidade.
Torna-se assim uma espécie de "bandido amador", desenvolvendo actividades que o levarão à prisão nos inícios de 1946. Permanecerá aí sete anos. E foi aí, em 1948, que se converteu ao Islão e que, em 1952, aderiu à Nação do Islão, os Black Muslims, de Elijah Muhammad, organização da qual se iria rapidamente tornar o principal porta-voz. Escolheria então o pseudónimo de Malcolm X, para sublinhar o facto de o negro para o branco não ser nada, não ser senão um X, uma pequena cruz. Em 63, porém, romperá com os Black Muslims e começará a preparar a fundação daquela que virá a ser algum tempo depois a Organização de Unidade Afro-Americana.
"By any means necessary" ("por todos os meios necessários"): para lá de uma frase que se tornaria como que o emblema de Malcolm X, as palavras sintetizam uma filosofia da acção que será também um humanismo no sentido mais forte do termo, uma ética revolucionária que coloca o homem no centro. Malcolm X tenta conciliar uma leitura dialéctica da história com o Islão, a fraternidade com a violência. Ao longo dos últimos meses da sua vida, começou também a aperceber-se da necessidade política de uma aproximação dos negros com os brancos anti-racistas. As suas concepções encontram-se, pois, ligadas à ideia de uma legítima defesa à qual se encontram forçados os afro-americanos:
"Nós não somos contra ninguém pelo facto dessa pessoa ser branca. Mas somos contra todos aqueles que praticam o racismo. [...] Nós não somos pela violência. Somos pela paz. Todavia, as pessoas que combatemos empregam a violência. E não se pede ser pacífico diante dessa gente". Um dos "meios necessários" que ele tem em mente é de facto a violência: "Se for preciso organizar um exército da nação negra, nós organizaremos um exército da nação negra. Actuaremos pelo voto ou à bala. Será a liberdade ou a morte".
No último discurso, pronunciado cinco dias antes do seu assassinato no Audubon Center de New York, Malcolm X afirmaria: "Eu acredito na fraternidade humana. Porém, [...] tenho de ser realista e compreender que aqui, nos Estados Unidos, encontramo-nos numa sociedade que não pratica a fraternidade. Que não pratica aquilo que prega". No mesmo discurso, atacaria também outras organizações afro-americanas. Para ele, Martin Luther King ter-se-ia tornado uma figura aceitável para muitos brancos precisamente porque se opunha aos sectores negros mais radicais. Fustigaria a ineficácia do movimento pelos direitos cívicos chefiado pelo reverendo King: assim, no Alabama, e apesar da lei adoptada em Julho de 64, os negros continuavam sem poder votar. Seria que o governo federal não tinha força para impor a lei que aprovara? Malcolm X afirmará então: "esta lei não é senão um truque miserável, dado que eles continuam a rir-se de nós ano após ano". Mais do que mendigar algumas leis, pensa então em criar um poder negro. A necessidade, para vencer, de opor um poder negro ao poder branco.
Quando, em 1966, Huey Newton e Bobby Seale fundarem os Black Panthers, reivindicarão assim, como património teórico, e ao mesmo tempo que os escritos de Frantz Fanon, os discursos de Malcolm X. Os Black Panthers seriam aliás um movimento "nacionalista revolucionário" – tal como se auto definia – fundado na mesma linha da autodefesa armada pela qual pugnara Malcolm X.
O seu assassinato, e depois o de Martin Luther King e de numerosos militantes dos Black Panthers, empurrariam o movimento afro-americano para uma espécie de espiral de despolitização. A comunidade negra ver-se-ia assim diante de uma tentativa, não tanto de a eliminar – os negros são muito úteis porque ocupam um grande número de empregos sub remunerados... –, mas simplesmente de a controlar, aterrorizando-a e sugerindo-lhe outras vias de "contestação" que não a política.
A introdução massiva da droga entre a juventude negra, a exaltação fanática do Islão como valor pseudo africano – o grupo radical The Last Poets declararia mesmo, em 1993, que "o Islão é a religião da África desde há milénios" (SIC) – ou as perspectivas simplicistas e racistas de certos membros da comunidade são as marcas de uma determinada regressão. Um filme como o de Spike Lee (Malcolm X, 1992), apesar de uma visão algo maniqueísta dos factos que apresenta, ilustra porém a actualidade deste grande revolucionário negro. Mais significativamente ainda, novos militantes tentam retomar uma perspectiva política e revolucionária da libertação dos afro-americanos, como é o caso de Mumia Abu Jamal. É sem dúvida por isso – não existe outro motivo claro – que este é mantido, desde há largos anos, nos corredores da morte de uma prisão dos Estados Unidos.
Porque permanece a força subversiva destas palavras: "By any means necessary".
In Internet. Não consigo citar o site.
- Gostei, gostei! Deixa-me levar para eu estudar e mostrar aos meus kambas.
Malcolm X despediu-se. Adensou-se na profundidade nocturna até a noite o possuir. Antes de desaparecer completamente passou junto a algumas mulheres que vendiam cigarros e cerveja. Ouvi uma delas suplicar:
- Malcolm X, meu filho, não me roube!
Juntou-se a três jovens que o aguardavam. Acho que eram os seus guarda-costas.
Gil Gonçalves
Imagem: Luanda, especulação imobiliária. http://www.skyscrapercity.com/showthread.php?t=471629&page=5
27.10.2008 - 15h40 - Carlos Rocha, Porto Portugal
Pois!...Os bancos já não têm dinheiro para alimentarem os especuladores que investiram na bolsa de matérias primas e acumularam grandes quantidades de crude em super petroleiros no alto mar, o que durante algum tempo provocou a escassez deste bem essencial e consequentemente o aumento dos preços. Só que com o aumento da produção e a redução do consumo. A procura diminui e os especuladores deixaram de pagar aos bancos. Daí a crise financeira em que nos encontramos, que ao contrário do que nos dizem, não tem nada a ver com o imobiliário nos USA. Andam-nos a mentir!... E sabem de quem era este dinheiro que os especuladores do crude utilizavam para enriquecerem à nossa custa com o amento dos combustíveis? Era o nosso dinheiro, são as nossas economias, que pomos nos bancos pela qual nos pagam uma ridicularia de juros, e até esses juros nos são depois sugados com a sua aplicação na especulação de bens essenciais como os combustíveis.
In Público última hora
- Estudas?
- Consegui com muito custo a instrução primária, mas não aprendi nada. Para prosseguir os estudos não há vagas. É necessário pagar uma pequena fortuna. Na universidade privada nem pensar. Para pagar é outra, uma grande fortuna. Não teria tempo para roubar…para pagar os estudos.
- Então passas a vida a roubar?
- Bom… não é bem assim. Só estou a pedir o que o Mpla me deve.
- Mas roubas pobres inocentes que não tem culpa nenhuma. Porque não roubas aos ricos?
- Mô kota branco… esses não dá. Estão bem protegidos. Onde eles estão nem um grão de areia passa. Tenho que roubar para não passar fome. Somos bwé nessa vida, os police não nos aguentam.
- Então, roubas qualquer pessoa?!
- Não… só roubo brancos nas praias e quando estão distraídos nos carros. Dá-me uma grande vontade de rir quando os assaltamos. Ficam tão assustados que até me dá pena. São muito medrosos. Roubamos telemóveis… temos um jovem engenheiro que conhece todos os segredos. É um bom negócio. Roubamos tudo o que pudermos. Roubar brancos…desculpa. Pelo que tu fizeste por mim… já não mando mais roubar brancos.
- Não mandas mais (!)
- Não!.. chefio uma quadrilha no Sambizanga. Nasci lá… o meu pai e a minha mãe morreram na guerra. Tenho uma irmã muito bonita que está a viver na casa de uma tia…depois vais conhecê-la.
- Sabes quem foi Malcolm X?
- Foi um black americano muito fixe. É o meu herói… desejo ser como ele.
- Sabes que ele terminou assassinado à bala?
- Sei... também sei que será esse o meu destino. Quando os police me apanharem… matam-me.
Faz-se sempre necessário analisar a vivência de Malcolm X. Ele que nasceu e cresceu numa sociedade extremamente violenta, profundamente abundante de discriminação racial. Acho que ele acreditava que, mais dia, menos dia, acabaria por ser abatido a tiro. Talvez preparasse o destino, o caminho glorioso de Martin Luther King. Talvez se trate também apenas do Profeta e do seu Seguidor. Afinal, Jesus Cristo pregou perante uma violência extrema e foi morto. Os seus seguidores depois de muitos séculos pregaram, e continuam a pregar a paz, mas curiosamente o Mundo apresenta-se cada vez mais violento.
Trazia as folhas de papel com o texto que havia tirado do computador, e anunciei-lhe:
- Posso ler-te um texto?
- Um texto?!.. Se for para me dares lições de moral, esquece.
- Não, é sobre Malcolm X.
- Ya, ya, quero ouvir.
MALCOLM X, revolucionário americano (1925-65)
Aos 20 anos já estava na prisão, condenado por assalto com arrombamento. Depois foi o tempo da droga, do álcool, o jogo, a prostituição. Uma vida idêntica às de muitos outros homens da sua idade, da sua condição, com o seu tom de pele. Até que um dia...
Quando a mãe ainda o trazia na barriga, contará mais tarde, um bando de homens do Ku Klux Klan a cavalo atacou durante a noite a quinta isolada onde vivia a família. Era o seu pai que eles queriam. Pastor baptista, era um fervoroso divulgador das ideias de Marcus Garvey, cuja utopia era o retorno dos negros da América ao Continente Africano. Nessa noite o pai não estava lá, mas os cavaleiros do Apocalipse branco voltarão alguns anos mais tarde para queimarem a casa. E, em 1931, acabarão mesmo por abater o pastor.
Malcolm Little era o sétimo filho do casal. Nascera com a pele um tudo-nada clara, marca do rapto distante da sua avó por um branco. Depois da morte do pai, a mãe acabara por ser internada num asilo para loucos, mas Malcolm conseguirá sobreviver a esta conjugação de desgraças tornando-se como que um estudante-modelo. Para a comunidade branca de Lansing (Michigan), localidade onde crescerá numa espécie de casa de correcção, tornar-se-á mesmo o protótipo de um "bom negro", um exemplo que a "boa sociedade" não poderia deixar de destacar: provindo de uma família marginalizada, criança instável, rejeitada por muitos, conseguiria ainda assim preparar-se para encontrar um rumo para a sua vida, graças, claro, ao auxílio dos brancos.
Malcolm Little, adolescente, torna-se assim um "negro branco", um desses "pai Tomás" que ele próprio repudiará mais tarde. Desfrisara os cabelos, preferia as mulheres de raça branca, tentava imitar o americano médio sob todos os aspectos. Todavia, cedo acabará por se aperceber de que não será nunca um branco: mesmo que o seu comportamento agrade aos brancos, ele nunca verá o seu trabalho pago como o de um branco e jamais terá o lugar social deste. E tal como muitos daqueles a quem o american way of life seduziu sem lhe dar meios para nele sobreviver, Malcolm Little começaria a contornar as dificuldades pela via da marginalidade.
Torna-se assim uma espécie de "bandido amador", desenvolvendo actividades que o levarão à prisão nos inícios de 1946. Permanecerá aí sete anos. E foi aí, em 1948, que se converteu ao Islão e que, em 1952, aderiu à Nação do Islão, os Black Muslims, de Elijah Muhammad, organização da qual se iria rapidamente tornar o principal porta-voz. Escolheria então o pseudónimo de Malcolm X, para sublinhar o facto de o negro para o branco não ser nada, não ser senão um X, uma pequena cruz. Em 63, porém, romperá com os Black Muslims e começará a preparar a fundação daquela que virá a ser algum tempo depois a Organização de Unidade Afro-Americana.
"By any means necessary" ("por todos os meios necessários"): para lá de uma frase que se tornaria como que o emblema de Malcolm X, as palavras sintetizam uma filosofia da acção que será também um humanismo no sentido mais forte do termo, uma ética revolucionária que coloca o homem no centro. Malcolm X tenta conciliar uma leitura dialéctica da história com o Islão, a fraternidade com a violência. Ao longo dos últimos meses da sua vida, começou também a aperceber-se da necessidade política de uma aproximação dos negros com os brancos anti-racistas. As suas concepções encontram-se, pois, ligadas à ideia de uma legítima defesa à qual se encontram forçados os afro-americanos:
"Nós não somos contra ninguém pelo facto dessa pessoa ser branca. Mas somos contra todos aqueles que praticam o racismo. [...] Nós não somos pela violência. Somos pela paz. Todavia, as pessoas que combatemos empregam a violência. E não se pede ser pacífico diante dessa gente". Um dos "meios necessários" que ele tem em mente é de facto a violência: "Se for preciso organizar um exército da nação negra, nós organizaremos um exército da nação negra. Actuaremos pelo voto ou à bala. Será a liberdade ou a morte".
No último discurso, pronunciado cinco dias antes do seu assassinato no Audubon Center de New York, Malcolm X afirmaria: "Eu acredito na fraternidade humana. Porém, [...] tenho de ser realista e compreender que aqui, nos Estados Unidos, encontramo-nos numa sociedade que não pratica a fraternidade. Que não pratica aquilo que prega". No mesmo discurso, atacaria também outras organizações afro-americanas. Para ele, Martin Luther King ter-se-ia tornado uma figura aceitável para muitos brancos precisamente porque se opunha aos sectores negros mais radicais. Fustigaria a ineficácia do movimento pelos direitos cívicos chefiado pelo reverendo King: assim, no Alabama, e apesar da lei adoptada em Julho de 64, os negros continuavam sem poder votar. Seria que o governo federal não tinha força para impor a lei que aprovara? Malcolm X afirmará então: "esta lei não é senão um truque miserável, dado que eles continuam a rir-se de nós ano após ano". Mais do que mendigar algumas leis, pensa então em criar um poder negro. A necessidade, para vencer, de opor um poder negro ao poder branco.
Quando, em 1966, Huey Newton e Bobby Seale fundarem os Black Panthers, reivindicarão assim, como património teórico, e ao mesmo tempo que os escritos de Frantz Fanon, os discursos de Malcolm X. Os Black Panthers seriam aliás um movimento "nacionalista revolucionário" – tal como se auto definia – fundado na mesma linha da autodefesa armada pela qual pugnara Malcolm X.
O seu assassinato, e depois o de Martin Luther King e de numerosos militantes dos Black Panthers, empurrariam o movimento afro-americano para uma espécie de espiral de despolitização. A comunidade negra ver-se-ia assim diante de uma tentativa, não tanto de a eliminar – os negros são muito úteis porque ocupam um grande número de empregos sub remunerados... –, mas simplesmente de a controlar, aterrorizando-a e sugerindo-lhe outras vias de "contestação" que não a política.
A introdução massiva da droga entre a juventude negra, a exaltação fanática do Islão como valor pseudo africano – o grupo radical The Last Poets declararia mesmo, em 1993, que "o Islão é a religião da África desde há milénios" (SIC) – ou as perspectivas simplicistas e racistas de certos membros da comunidade são as marcas de uma determinada regressão. Um filme como o de Spike Lee (Malcolm X, 1992), apesar de uma visão algo maniqueísta dos factos que apresenta, ilustra porém a actualidade deste grande revolucionário negro. Mais significativamente ainda, novos militantes tentam retomar uma perspectiva política e revolucionária da libertação dos afro-americanos, como é o caso de Mumia Abu Jamal. É sem dúvida por isso – não existe outro motivo claro – que este é mantido, desde há largos anos, nos corredores da morte de uma prisão dos Estados Unidos.
Porque permanece a força subversiva destas palavras: "By any means necessary".
In Internet. Não consigo citar o site.
- Gostei, gostei! Deixa-me levar para eu estudar e mostrar aos meus kambas.
Malcolm X despediu-se. Adensou-se na profundidade nocturna até a noite o possuir. Antes de desaparecer completamente passou junto a algumas mulheres que vendiam cigarros e cerveja. Ouvi uma delas suplicar:
- Malcolm X, meu filho, não me roube!
Juntou-se a três jovens que o aguardavam. Acho que eram os seus guarda-costas.
Gil Gonçalves
Imagem: Luanda, especulação imobiliária. http://www.skyscrapercity.com/showthread.php?t=471629&page=5
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