sexta-feira, 28 de novembro de 2008

A origem da grande depressão de 2008 (XIII). Novela


Se ainda há poucos dias os 50 dólares representavam a barreira psicológica mais relevante para o preço do barril de petróleo, os ‘traders’ já apontam para um novo patamar: os 25 dólares. Segundo a Bloomberg, os operadores começam a apostar que o preço do barril do “ouro negro”, para entrega em Fevereiro de 2009, recue para esse valor.
In Diário Económico

Nos Caminhos de Luanda, tentava recuperar a contabilidade. Debalde, porque a electricidade não o permitia. Sentia-me muito cansado… sem fazer nada. No fundo, a minha ocupação profissional considerava-a como um divertimento. Ausentei-me dizendo que ia à empresa de segurança. Tinha que percorrer apenas cerca de um quilómetro. No final virava à esquerda e com mais três centenas de metros chegava ao destino. Cheguei e perguntei se o Dr. Elder estava. Responderam-me que sim, que se encontrava no escritório. Dirigi-me para lá. Elder estava bem trancafiado, sempre com receio de não sei bem o quê. Sentiu a minha presença, abriu-me a porta de ferro, todas eram metálicas, e exclamei:
- Elder ali não tem luz!
- Aqui também não. Eles também estão sem telefones por falta de pagamento. O Director não paga porque andam a fazer muitas chamadas para o estrangeiro. As contas são muito elevadas. O Director disse-me que quer saber quem fez essas chamadas para descontar nos vencimentos.
- Elder, trabalhar neste país é muito difícil.
- Mas o que é que tu queres?! Eles nunca conseguirão ir em frente. Estão na idade da pedra, ou melhor, estão ainda no neolítico.
- Elder, sinto-me desanimar!
- Não ligues, deixa andar. Olha, vou pôr aqui a Internet. Ainda não o fiz, por causa do e-mail. Sabes, isso do e-mail é muito perigoso porque deixa rastos. Qualquer descuido num texto serve de prova. Ficamos com a vida lixada. Muitas empresas não utilizam o utilizam por causa disso. Preferem não dar nas vistas e também para pouparem. O que interessa é sacar dinheiro de qualquer maneira e depois andar.

CAPÍTULO III
HEITOR

29.09.2008 - 09h47 - JL, Évora - Portugal - República das Bananas
A semana passada uma data de "chico-espertos" fartaram-se de apregoar que o Fortis estava fora da "crise" (incompetência generalizada dos gestores, reguladores, supervisores, etc...), afinal também está falido. Portanto por arrastamento o BCP-Millenium, também estará com problemas, que as "autoridades" portuguesas estão certamente a tentar tapar (como é hábito)....portanto...toca a levantar o que lá tenho, antes que me molhe, por culpa dos incompetentes que estão no (des)governo, desta Republica das Bananas....
In Público última hora

Elder segreda-me:
- Vou mandar vir o meu irmão de Portugal. Vive miseravelmente nas barracas ao pé do aeroporto. A passar fome… vai ficar encarregado das obras.

Heitor não demorou muito a aeroportar. Tem trinta anos e ostenta uma magreza de campo de concentração. Alto e magro. De óculos com lentes graduadas. Aparenta ser simples e humilde. Em conversa, confidencia que nasceu em Angola, mas devido à guerra fugiu para Portugal, onde depois obteve a nacionalidade portuguesa. O seu nível cultural é muito baixo. Por exemplo confessa que nunca mexeu num computador. Sobrevivia como operário da construção civil.

Elder arranja-lhe uma vivenda ali para os lados da Samba. Heitor prefere uma mestiça para companheira. Instalam-se e surge o primeiro filho.

Começa a efectuar pequenos biscates. Resolver questões de infiltrações de água. Montar sanitas, lavatórios, lava-loiças. Levantar muros e efectuar pinturas em residências. Além disso, ocupa-se também na vigilância dos trabalhadores. E sem ninguém lhe perguntar, justifica porquê:
- Temos que estar sempre a vigiá-los, tipo capataz, senão não fazem nada.
Heitor, já está com muito trabalho. Das tarefas que lhe aparecem, é mais a transformação de instalações existentes para os mais variados fins. Assim, os novos locatários mandam partir as paredes, e pedem para novas serem erguidas conforme o seu gosto. Por exemplo, o que antes era uma colchoaria passa a ser um escritório. Nos prédios partem-se as paredes nos interiores e erguem-se novas para obter mais espaço. A justificação é porque as famílias africanas são muito numerosas.

Por todo o lado se houve continuamente o barulho do bater e martelar. Parece que toda a gente está a construir. Mas não, na realidade estão a destruir. Então, aproveito para pedir pequenos serviços de canalização:
- Heitor, tenho o bidé da casa de banho partido. Preciso que me montes um novo. O tubo da evacuação do tanque de lavar a roupa tem uma fuga, e da torneira do contador escapa-se um fio de água.
- Não se preocupe que vou já mandar o canalizador tratar disso.

O canalizador tratou das reparações. Cerca de quinze dias depois o rodapé e azulejos atrás do bidé estalam. Os parafusos que o sustentam soltam-se. O bidé com o peso do corpo desloca-se de um lado para outro, como num barco. O tubo flexível deixa passar água para o chão. Um mês depois o tubo do tanque deixa passar mais água do que antes. A torneira do contador, ficando toda aberta deixa passar água. Não comentei estes acontecimentos com Heitor. Acho que o canalizador se voltasse para reparar os estragos que fez, faria ainda pior. Contratei pessoalmente um canalizador profissional, que acabou de me contentar com o seu trabalho.

Gil Gonçalves

Sem comentários: