terça-feira, 5 de agosto de 2008

Cadáveres


O camião descontrola-se. Na amurada dois contentores desequilibram-se, passeiam borda fora, e descansam em doca seca, onde três viaturas recebem pena de morte sem apelo a tribunal arbitral. A populaça com a fome bem desperta agradece a Deus o saque do dia.
O dinheiro do petróleo é o Terror da Revolução Francesa. Muito dinheiro, muitos democratas, e muitos aventureiros para dar uma ajuda. Uma nação muito rica com muitos pobres, com poucos muito ricos.

A propaganda inconvicta passeia-se pelos bairros na retentiva ineficaz de explicitar aos confusos batedores eléctricos para não ligarem fios, porque causam muitos incêndios e carbonizações humanas. Muitos cabos eléctricos, incêndios garantidos. À noite, no torpor alcoólico desajeitado, acontece quem abasteça gerador com vela de cera acesa, e fica com a vela na mão. A democracia é como uma instalação eléctrica, deve ter bons disjuntores.

Um delinquente reincidente dos telemóveis não se cansava da prisão. A mãe conivente agraciava-o, pagava para lhe ver fora das grades. Mamãe cansou-se e não o desprendeu. Um tio desgradeou-o. Ele chegou em casa muito depreciado, e perguntou à mãe: «porque não me tiraste da prisão?» e deu-lhe um tiro de misericórdia.

Até nos cadáveres vulgares há cinismo, neste reino transportam-se como mercadoria vulgar.

Gil Gonçalves

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