sexta-feira, 15 de agosto de 2008

Especuladores, modernos navios negreiros




Os bancos estão aqui em grande, concentrados, de cofres fortifificados como abelhas nas colmeias dos gulag, e aquartelados, formados como as SS. Virtuosos, vão abrir-nos duas contas especiais: Tumultos e Mais Guerra.

Meus Senhores e minhas Senhoras! Isto não tem ponta por onde se lhe pegue.

As lutas de libertação foram-se. São uma mistificação. Até agora nada foi libertado. A não ser o perfume inebriante, incendiário do napalm, petrolífero dos actuais bantustões negros. Petróleo sim! Miséria sim! Fome sim! Extermínio sim! Risquem a palavra negro dos dicionários. É uma coisa que nunca existiu.
Gil Gonçalves

A globalização constitui ao mesmo tempo uma tendência dominante neste fim de século, e uma dinâmica diferenciada. Um excelente exemplo nos é dado pela dimensão da especulação financeira. A circulação financeira internacional ultrapassa, em 2001, 1,8 trilhão de dólares por dia, para uma base de trocas efetivas de bens e serviços da ordem de 20 a 25 bilhões, o que significa uma circulação especulativa 70 vezes maior do que a que seria necessária para cobrir atividades econômicas reais. Esta ampliação dramática da especulação financeira é literalmente carregada pelas novas tecnologias: a integração dos espaços mundiais de comunicação, via satélites e fibras óticas, e a capacidade de tratamento instantâneo de informação em gigantescas quantidades com a informática, levaram a um grande avanço, em termos de globalização, de um setor cuja matéria prima – a informação – é particularmente fluida, e que dispõe de amplos recursos para financiar os equipamentos mais modernos.

É neste contexto que devem ser vistas as primeiras e inseguras tentativas de se gerar instituições mundiais: a Conferência de Copenhague, em março de 1995, reune pela primeira vez todos os países para avaliar os desequilibrios sociais do planeta; Tobin, prêmio nobel de economia, propõe um imposto mundial sobre especulação financeira para financiar o desenvolvimento dos pobres; as Nações Unidas elaboram uma maquete de governo mundial a partir das estruturas da ONU e do Banco Mundial; o FMI trabalha sobre propostas de uma nova “arquitetura financeira internacional”; o próprio Banco Mundial, agora realmente preocupado, denuncia a “fratura social” mundial. Mas ainda estamos longe da necessária criação de instituições e sistemas permanentes de compensação e reequilibramento internacionais: as iniciativas existentes mostram apenas que a consciência do caráter explosivo da situação está crescendo.

Trata-se de atividades econômicas fortemente articuladas com o sistema formal de produção. E envolvem atividades tão diversificadas como o comércio de armas, a agricultura destinada à fabricação de entorpecentes, os desmatamentos ilegais que devastam grandes regiões no mundo, a sobrepesca em áreas fragilizadas, os loteamentos ilegais de especuladores imobiliários que jogam populações miseráveis em áreas de mananciais, o comércio internacional de prostitutas infantís, o tráfico de órgãos humanos para transplante e assim por diante.

O mais importante, talvez, no conjunto deste processo de deslocamento do poder, é que com a concentração de forças nas mãos das empresas transnacionais e com a ampliação das suas atividades de pedágio sobre as atividades produtivas e de serviços, as decisões econômicas se distanciaram radicalmente dos espaços comunitários, do consumidor, da população em geral. À grande empresa de pesca industrial pouco interessa saber se o impacto das suas atividades está reduzindo globalmente a sustentabilidade da pesca permanente e tradicional no Canadá ou nas costas africanas, envolvendo tragédias humanas de grande escala. Às estruturas globais de especulação financeira pouco interessa saber que poupanças estão sendo drenadas de países pobres para países ricos. A população simplesmente não encontra as estruturas políticas de regulação correspondentes a estas atividades. O distanciamento dos centros de decisão se tornou demasiado grande para que consumidores ou pequenos produtores possam influenciá-los. Por outro lado, a fragilização das estruturas políticas do Estado-nação, sem que tivessem surgido ainda sistemas de regulação planetária, não permite que haja políticas económicas correspondentes.

In A Reprodução Social. Ladislau Dowbor

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