sábado, 23 de agosto de 2008

A Origem da Al-Qaeda


Daí em diante, iriam pensar duas vezes antes de atacarem Hassan-Ibn-Sabbah. Várias províncias se lhe submeteram e os seus dais levavam as suas ordens a todo o lado. O imposto devido ao sultão já não lhe era enviado, mas sim entregue aos homens de Hassan, e, quando um emir ou vizir protestava, não o fazia durante muito tempo: o punhal ou o veneno encarregavam-se dele. No Roudbar, a última fortaleza que ficara nas mãos dos inimigos de Hassan, Lemsir, caiu em seu poder em Setembro de 1102. Na sequência disso, as outras cidadelas iraquianas, as da planície, também prestaram vassalagem ao senhor da montanha e aos seus homens, devotados até à morte.

Perguntou-se muitas vezes como fazia Hassan para captar assim a fidelidade cega dos fidawi que mandava cometer assassínios, sabendo que, provavelmente, seriam capturados e torturados. Hassan mandara construir, no castelo de Alamute, jardins com água corrente e um pavilhão de quatro andares. No interior, as rosas competiam com as porcelanas e as baixelas de ouro e prata para ornamentarem os vários recantos. As colunas estavam forradas de âmbar e musgo. Aí, instalara dez rapazes com formas de efebos e dez jovens mulheres muito belas. Vestia-os de seda e tecidos preciosos, ornava-os com jóias de ouro e prata. Por todo o lado, havia taças que transbordavam com frutos, flores odoríferas e água, mercadoria rara naquelas bandas. E havia também animais nos jardins: gazelas, avestruzes, patos, gansos, lebres, etc. Um corredor secreto ligava o pavilhão a uma grande casa situada fora daquele local paradisíaco.

Quando detectava um indivíduo adequado à missão que tencionava confiar-lhe, Hassan recebia-o na casa e convidava-o a comer alimentos drogados. Depois de adormecer, o homem era transportado para o pavilhão e confiado aos efebos e às mulheres que o aspergiam com vinagre, para o despertar. Quando abria os olhos, ofuscado, ouvia: Apenas esperamos a tua morte, porque este lugar está-te destinado: é um dos pavilhões do Paraíso e nós somos as houris e os filhos do Paraíso [...]. Se estivesses morto, ficarias para sempre connosco, mas apenas sonhas e não tardarás a despertar.
Os odores provocavam-lhe tonturas, os pássaros, os animais, a vegetação pareciam-lhe tão maravilhosos que acreditava no que lhe diziam. Então, os efebos e as mulheres comunicavam-lhe que estavam ali para satisfazer todos os desejos do seu corpo, fossem eles quais fossem.

Hassan chegava em seguida, dizendo-lhe que era capaz de visitar o Paraíso quando queria. Mandava-o aspergir com água de rosas, convidava-o para uma nova refeição em que os pratos estavam, uma vez mais, drogados e mandava-o levar pela galeria secreta até à casa, sem que ele disso se apercebesse. Hassan assistia ao seu despertar e informava-o de que lhe estava reservada uma sorte tão maravilhosa depois de ter sacrificado a vida pela Ordem. Marco Polo, que visitou Alamute e pediu que lhe contassem a história da fortaleza, confirmou esses procedimentos. Escreveu: Quando o Velho queria matar um grande senhor, ordenava-lhes que matassem esse homem e dizia-lhes que os queria enviar para o Paraíso, e iam e faziam tudo quanto o Velho lhes ordenava [ ... ]. E, deste modo, não havia um homem que não fosse morto quando o Velho da Montanha queria...

Assim, Hassan tornava tangível, para esses homens, aquilo que o Corão prometia: Sobre leitos preciosamente separados por tabiques, Em redor deles circulam jovens eternos, Com taças, gonljs e vasos cheios de frescas bebidas, Que não os atordoarão nem angustiarão. Com frutos delicados segundo as suas preferências, E carnes de animais segundo os seus desejos. Para eles há as que têm os grandes olhos brancos e negros, Modelos de pérolas ciosamente guardadas, Adolescentes apaixonadas, apaixonantes; Estarão entre os lótus podados, Entre as sombras extensas, Entre as águas que correm; Cobrem-nos vestimentas verdes, Em subtil cetim e brocado. E estão ornados com pulseiras de prata, E o seu senhor manda-os beber uma bebida muito pura.

Compreendemos assim como os subterfúgios de Hassan-Ibn-Sabbah se destinavam a convencer os fidawi de que, por instantes, haviam entrado no Paraíso, a ponto de se dedicarem de corpo e alma ao seu senhor e de já não terem medo da morte e de, inclusive, a esperarem com impaciência. Isto permitia, nomeadamente, ao senhor da montanha impressionar os seus visitantes ordenando a um dos seus homens que se lançasse, gratuitamente, do alto das muralhas. E o homem mergulhava no vazio a um simples sinal de Hassan, que dizia ao espectador surpreendido: «Tornou-se um liberto», expressão que Villiers de l'Isle-Adam virá a retomar em Axel, ao falar da morte voluntária. Nota: Refiramos, de passagem, que Villiers de l’Isle-Adam projectava escrever uma obra sobre o Velho da Montanha.

No entanto, podemos espantar-nos por os fidawi se terem mostrado tão crédulos e não se terem apercebido do subterfúgio. Apesar de todos os esforços de Hassan, os jardins instalados em Alamute, montanha árida, deviam ter dificuldades em passar pelo Paraíso, como observou Maurice Barrès, que visitou o local.
Mas não esqueçamos a utilização do haxixe, que Hassan descobrira no Cairo. Com o poder dos sentidos decuplicado pela droga, os fidawi viam todas as cores mais vivas, os odores eram mais fortes, o prazer parecia-lhes maior e, ao mesmo tempo, perdiam toda a noção de desconfiança e de prudência. Tinham-se tornado haschischins, termo que os cruzados iriam transformar em assassinos que, a partir de então, viria a designar esse tipo de homicidas.

A partir de então, Hassan apenas precisava de não evidenciar fraqueza, nem piedade, e era isso que acontecia dado que não hesitou em decapitar o seu filho mais velho, por ter conspirado contra ele, e estrangular o seu segundo filho, que cometera o simples crime de consumir vinho.
Na noite de 12 de Junho de 1124, sentindo que a sua morte se aproximava, Hassan convocou os seus fiéis mais próximos para a biblioteca e designou como seu sucessor Kya Buzurg-Humid, confiando, por outro lado, o exército a Hassan-Kasrany e a administração da Ordem a Abu-Ali. A meio da noite, antes de morrer, pediu a todos que o deixassem só, dizendo: - Adeus, e lembrai-vos de que o meu espírito vela. Enquanto fordes dignos dele, dignos de o compreender, ele aconselhar-vos-á.
Kya Buzurg-Humid herdou, assim, mais de setenta mil homens dedicados de corpo e alma, apenas na região do Roudbar. Retomou a prática dos ritos seguidos por Hassan, mas começou bastante mal o desempenho das suas funções de mestre.

Apaixonou-se por um jovem da corte do príncipe do Taberistão. Parece, aliás, que os casos de homossexualidade eram muito frequentes entre os fiéis do velho da montanha. Basta pensarmos nos efebos oferecidos aos fidawi ou no facto de o filho mais velho de Hassan ter sido levado a conspirar pelo seu amante. Acontece que Buzurg-Humid ordenou aos seus homens que raptassem o objecto dos seus desejos. Isso deu origem a um conflito, uma espécie de guerra de Tróia homossexual, que ganhou, mas à custa de pesadas perdas. A partir de então, Buzurg-Humid lançou-se em intrigas de corte, nem sempre coerentes. Teve mesmo tendência para transformar a sua ordem em mafia, não hesitando em vender os serviços dos seus assassinos a príncipes dispostos a pagar caro. Mas, ao mesmo tempo, aumentou o poder da Ordem, chegando a possuir setenta e quatro fortalezas na Síria.

In OS TEMPLÁRIOS, ESSES GRANDES SENHORES DE MANTOS BRANCOS
Os seus costumes, os seus ritos, os seus segredos
MICHEL LAMY

Sem comentários: