domingo, 3 de agosto de 2008

Regresso ao colonialismo. Albert Camus


Teixeira Duarte SA, a construtora de Zimbabués
Gil Gonçalves

“Descemos em Dacar à noite...., grandes negros, admiráveis em sua dignidade e elegância, em suas longas túnicas brancas, as negras com roupas antigas, de cores vivas, o cheiro de óleo de amendoim e de excremento, a poeira e o calor. São apenas algumas horas, mas reencontro o cheiro de minha África, cheiro de miséria e de abandono, aroma virgem e ao mesmo tempo forte, cuja sedução eu conheço.”

“- Sou suspeito para os nacionalistas dos dois lados. Para uns, meu erro é não ser suficientemente patriota. Para os outros, sou patriota demais. Não amo a Argélia à maneira de um militar ou de um colono. Mas será que posso amá-la de outro modo que não como francês? O que muitos árabes não compreendem é que a amo como um francês que ama os árabes e deseja que, na Argélia, eles estejam em sua terra sem que por isso ele mesmo se sinta estrangeiro.”

Albert Camus, Prêmio Nobel de literatura de 1957, jornalista, ensaísta, romancista e dramaturgo nasceu em 1913, em Mondovi, na Argélia e faleceu em 1960 perto de Sens, na França. Viveu entre a pobreza de um meio operário, de uma casa de cômodos, com a rigidez de uma disciplina imposta para garantir as condições de sobrevivência restritas ao essencial. Por outro lado, conviveu também com a exuberância de uma paisagem luminosa, a imensidão do mar vislumbrado na esquina de cada rua e as areias sem fim das praias de Argel. Nascido e criado entre contrastes fundamentais, Albert Camus, desde cedo percebeu a miséria de um país colonizado, mas que paradoxalmente proporcionava o conforto na natureza de sol e mar da África.

Sua infância foi vivida em Belcourt, bairro popular de Argel, morava na rua de Lyon, fronteira entre o bairro árabe de Marabout e o bairro francês de Belcourt, tendo ao norte os “indígenas” [1] e ao sul os outros. “Em Belcourt, na margem esquerda, mora o populacho dos franceses da Argélia, alegres, generosos, vaidosos, fanfarrões, que se entusiasmam ou se abatem muito depressa. Estarão esses neofranceses, como os chama M.O.Stott, fermentando sua superioridade sobre os indígenas? Ou um sentimento de inferioridade por serem eles, por sua vez, humilhados, colonizados, pelos funcionários vindos da França, os Francaouis, instalados em remunerações privilegiadas? Comerciantes, carroceiros, aterradores, pedreiros de Belcourt não tiram férias na França.” (TODD 1998:30)

“A sociedade colonial compreende os estrangeiros de origem metropolitana, isto é, do país colonizador, os europeus ou de raça branca não-metropolitanos e os não europeus, geralmente de origem asiática, os coloured ou homens de cor. Os grupos não desempenham o mesmo papel na colônia mas cada um deles tem preeminência sobre os autóctenes. O de origem metropolitana é o mais ativo, pois cabe a ele a função de dominar política, econômica e espiritualmente. Suas atribuições podem ser classificadas da seguinte maneira: a administração dirige a colônia segundo a política colonial; as companhias comerciais e industriais assumem a exploração da produção, afim de organizar os lucros em benefício da metrópole, processo chamado de pilhagem da sociedade dominada; por fim, as missões cristãs, encarregadas da educação dos colonizados, da conversão de suas almas e de seu encaminhamento progressivo ao universo do dominador. Os brancos não metropolitanos e os asiáticos (coloured) dedicam-se a atividades comerciais intermediárias.” (MUNANGA, 1988: 10-11)

Em Belcourt, Camus pôde conviver com os árabes e nomes como Ahmed, Fatma, lhe eram familiares. Brancos pobres e árabes não frequentavam as casas uns dos outros, mas compartilhava-se o méchoui (carneiro assado no espeto) nas praias e também o ódio pela polícia durante os tumultos. Esses pobres temiam o desemprego e acusavam árabes, judeus, napolitanos, marselheses e outros estrangeiros de roubar-lhes trabalho. A xenofobia convive próxima à solidariedade.

No século XIX a Argélia foi invadida pela França. Através da tática de criar colônias agrícolas militares que seriam bases de provisões junto às áreas de luta, os franceses procuraram minar a resistência nativa, destruindo a agricultura árabe em razias com uma violência que não poupava nem mulheres e crianças. Apesar do bombardeio e pilhagem das aldeias, os berberes, sob a liderança de Kader [2], não se renderam, e foram expulsos para o sul. Kader foi preso na fronteira com Marrocos em 1847, quando franceses apoiados na antiga administração turca defenderam a participação árabe no governo, iniciando-se uma fase de “respeito” às instituições locais. Em 1845, embora persistisse a insegurança, 40.000 colonos franceses haviam se estabelecido na Argélia. Em 1850 já era de 110.000 o número de colonos, entre franceses, italianos e espanhóis. O berbere, então, perdendo a terra, tornou-se o proletário rural, caindo na miséria.

O governo de Napoleão III foi marcado por uma forte militarização na Argélia e quebrou o sistema de propriedade tribal nativa, fixando árabes e berberes em minifúndios e aumentando a miséria dos agricultores. Em 1870, a região da Kabilia revoltou-se. Reprimida a insurreição, os colonos franceses apossaram-se de 500.000 hectares em detrimento da população árabe. No início do século XX, 1918, um grupo de intelectuais árabes, “os Jovens Argelinos” se organizam baseando-se em idéias nacionalistas, reivindicando melhorias para a população árabe. Nos anos 30 já se falava em supressão do governo francês e igualdade entre nativos e europeus, mas foi após a II Guerra Mundial que os problemas argelinos agravaram-se, pois, na medida em que a França deu aos colonos o direito de se estabelecerem nas melhores terras, quando mais de 1.500.000 famílias berberes não possuíam terras, provocou êxodo rural e miséria, agravando-se os problemas nas áreas metropolitanas e fazendo com que um décimo da população vivesse, então, da caridade pública. Nesse ambiente surge a chamada “Questão Argelina”, um dos maiores problemas internacionais do pós-guerra. Em maio de 1945 houve uma grande chacina de civis argelinos por soldados franceses, no massacre de Setif. A repressão francesa é intensa, militares admitem entre 6 e 8 mil mortos, nacionalistas falam de quarenta a cinqüenta mil. Em 1º de novembro de 1954, foi anunciada oficialmente a revolução argelina.

“O conceito de situação colonial aparece como noção dinâmica, expressando uma relação de forças entre vários atores sociais dentro da colônia, sociedade globalizada, dividida em dois campos antagonistas e desiguais, a sociedade colonial e a sociedade colonizada. Na situação colonial africana, a dominação é imposta por uma minoria estrangeira, em nome de uma superioridade étnica e cultural dogmaticamente afirmada, a uma maioria autóctone. A necessidade de manter a dominação por suas vantagens econômicas e psicossociais leva os defensores da situação colonial a recorrerem não apenas à força bruta, mas a outros recursos...” (MUNANGA, 1988:10).

As concepções colonialistas difundem-se através da escola, da igreja, da família, enfim do meio social, mas é no convívio com seus melhores amigos que o jovem Camus se aproxima de uma visão crítica em relação ao colonialismo. Seus amigos afirmam que detestam “o estado de espírito dos colonos, que se apressam em afirmar que os árabes são preguiçosos, sifilíticos, hipócritas e ladrões. Mas esses colonos precisam dos “indígenas” para fazer os pequenos trabalhos na cidade e os grandes no campo. Revoltados com os salários miseráveis, Robert e Claude levam Albert a tomar consciência dos problemas sociais para além de Argel.” (TODD, 1998: 63)
Albert Camus
http://www.espacoacademico.com.br/013/13cpraxedes.htm





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