terça-feira, 27 de setembro de 2011

Helsinquia. Governo finlandês questionado sobre o apoio directo a orçamentos de Estados africanos com governos corruptos



“Nós não queremos dinheiro, precisamos de assistência técnica, transferência de partilha de know-how. O dinheiro faz mal ao nosso governo” – Simon Kaheru, analista de Imprensa, de Uganda

“Tanzânia está independente há 50 anos, mas ainda depende de doações externas em 40% do seu orçamento anual. Eles (os políticos) compram Porsche (marca de carro de luxo) com o dinheiro da ajuda”– Florence Magurula, editor de “The Citizen Newspaper” da Tanzania
Helsínquia (Canalmoz) - Num encontro entre membros do governo finlandês e jornalistas africanos, em que o Canalmoz – Diário Digital e o Canal de Moçambique – Semanário estiveram representados, os escribas questionaram a necessidade de se manter ajuda directa aos orçamentos anuais de Estados do continente. A questão levantada pelos jornalistas africanos prende-se com o facto de anualmente o governo finlandês – à semelhança de outros governos europeus – canalizar fundos directos para certos governos africanos em nome de ajuda aos povos, mas estes fundos serem depois gastos em exuberâncias dos dirigentes, como aquisição de viaturas luxuosas e de alta gama, bem como em construção de palácios privados. Moçambique é disso, exemplo. Aliás, no continente africano, regra geral, vive-se o paradoxo de os países serem os mais pobres do mundo, enquanto os dirigentes perfilam na lista dos indivíduos mais ricos do mundo.
Debatia-se o tema “Finlândia como um parceiro de desenvolvimento em África”, apresentada pelo director-geral adjunto do Departamento para África e Médio Oriente no Ministério dos Negócios Estrangeiros da Finlândia, Heikki Tuunanen. Neste encontro foram referidas as principais áreas de cooperação entre a Finlândia e os Estados africanos, sendo os actuais principais beneficiários da ajuda deste país, Moçambique, Zâmbia, Tanzânia, Etiópia e Kenya, para além doutros que vêm em segundo escalão.
Os jornalistas presentes eram de 13 países africanos, incluindo Moçambique.
No encontro foi reconhecida pelos homens da Imprensa a pertinência da ajuda finlandesa, mas o que foi questionado é para onde esta ajuda é direccionada.
Os jornalistas manifestaram-se contra a canalização de dinheiro para os governos, havendo mesmo quem disse que devido à ajuda os governos africanos estão mais interessados em prestar contas aos doadores e não aos seus cidadãos, subvertendo assim as regras democráticas.
O debate foi muito longo e intenso e a certa altura apareceu para tomar parte nele a ministra finlandesa para o Desenvolvimento Internacional, Heidi Hautala.
Os jornalistas querem que o apoio seja canalizado a organizações de sociedade civil e directamente aos projectos de desenvolvimento, supervisionados pelos doadores. Assim se pode reduzir o esbanjamento de fundos doados pela comunidade internacional, pelas classes dirigentes, defenderam os jornalistas.
Intervindo no debate, o analista de Imprensa, proveniente da Uganda, disse que “nós africanos não queremos dinheiro, precisamos de assistência técnica, transferência de partilha de know-how. A partir daí vamos gerar o nosso próprio dinheiro”. “O dinheiro doado faz mal ao nosso governo”, referiu.
Por sua vez, o tanzaniano Florence Magurula, editor do jornal “The Citizen Newspaper” indagou o facto de o governo do seu país continuar a receber apoio directo ao orçamento do Estado, quando já lá vão mais de 50 anos de independência.
“A Tanzania está independente há 50 anos, mas ainda depende de doações externas em 40% do seu orçamento anual. Eles (os políticos) compram Porsches com o dinheiro da ajuda”, disse, recordando que Tanzania é um “país rico em recursos minerais, mas não consegue sair da dependência externa”.

O caso de Moçambique
Moçambique é também exemplo dos países extremamente dependentes da ajuda externa. Aliás, segundo consta no livro “Há mais bicicletas – mas há desenvolvimento”, do académico e jornalista britânico, Joseph Hanlon, Moçambique e Tanzania são os dois países africanos mais beneficiários da ajuda internacional com a média per capita da ajuda a superar a média continental. Noseu livro Hanlon considera ainda estes dois países de “meninos bonitos dos doadores”.

“Nós só damos ajuda a quem presta-nos contas”
A resposta da Finlândia face às inquietações dos jornalistas africanos quanto aos mecanismos da ajuda veio do director-geral adjunto do Departamento para África e Médio Oriente no Ministério dos Negócios Estrangeiros da Finlândia, Heikki Tuunanen. O dirigente disse que as questões levantadas pelos jornalistas são pertinentes e remete o seu governo à reflexão profunda sobre os métodos da ajuda, mas explicou que o governo deste país tem fé que os países receptores da ajuda aplicam os fundos para benefício dos respectivos povos.
Heikki Tuunanen disse que a Finlândia tem projectos também de apoio a sociedade civil, mas reconheceu que o bolo grande vai directamente para os orçamentos de Estados receptores.
Por sua vez, a assessora para o departamento de desenvolvimento no Ministério dos Negócios Estrangeiros finlandês, Iina Soiri, que já viveu em Moçambique durante 4 anos, explicou que a Finlândia só dá ajuda aos Estados cujos governos lhes prestam as contas. Disse que é o caso de Moçambique.
A Finlândia faz parte do G19, o grupo dos 19 Estados e instituições que anualmente canalizam fundos para o orçamento do Estado, também conhecidos por PAP – Parceiros de Apoio Programático. Este grupo é responsável por 15% do orçamento directo do Estado anualmente em Moçambique. (Borges Nhamirre, nosso enviado a Helsínquia)

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