segunda-feira, 26 de setembro de 2011

NOS ANTÍPODAS UM DO OUTRO. Justino Pinto de Andrade


Li a entrevista do escritor Artur Pestana, Pepetela, concedida à BBC Brasil, aquando da sua presença naquele país, onde efectuou, na Bienal do Livro do Rio de Janeiro, o lançamento do livro “O Planalto e a Estepe”. Na entrevista, o escritor abordou questões de muito interesse, quer sobre o actual relacionamento entre o Brasil e o nosso país, quer com outros países como, por exemplo, a China. No que diz respeito ao Brasil, Pepetela fez mesmo questão de recuar ao passado histórico com Angola, fruto da colonização de ambos por Portugal, de onde se forjaram laços privilegiados, com um claro proveito para o Brasil. De tal modo que até se diz que, na prática, o Brasil “colonizou” Angola por um período de quase 150 anos…

http://jpintodeandrade.blogspot.com/

Pepetela ilustrou esse forte laço transatlântico com o facto de o primeiro poeta angolano com obra publicada, sofrendo de tuberculose, se ter ido tratar na cidade do Rio de Janeiro. Suspeito que se estaria a referir a Joaquim Dias Cordeiro da Matta (1857- 1894), tido como “o pai da literatura angolana” e autor, de entre outros, de um livro de poemas designado “Delírios”, editado em 1889, 67 após a independência do Brasil.

No nosso actual relacionamento com o Brasil, Pepetela teve o cuidado de destacar o papel da cultura, fazendo, porém, um balanço negativo, quando visto na perspectiva de Angola. É que, em alguns domínios, o fluxo cultural quase que é direccionado apenas no sentido do Brasil para Angola. Recordou ainda que uma boa parte dos brasileiros desconhece Angola, ao passo que o imaginário de muitos angolanos está povoado de referências brasileiras, não só na cultura como, também, nos desportos. E destacou a disseminação de igrejas evangélicas em Angola com cidadãos brasileiros a serem os grandes protagonistas e mentores.

Na área económica, Pepetela falou daquilo que diz ser a percepção dos angolanos sobre o papel das empresas brasileiras que hoje prestam serviço em Angola e, igualmente, dos produtos brasileiros que aqui se vendem.

Mesmo que tenha sido uma parte diminuta no conjunto da entrevista, a actualidade política angolana, vista no contexto das mudanças que se operam actualmente no mundo árabe e também no norte de África, não foi esquecida. Pepetela diz, textualmente: “O regime assustou-se”. Reconhece, porém, a actual fragilidade da oposição, assim como o controlo que o poder, personificado no MPLA, tem sobre o Estado e o país. E que, sendo embora democrático nas palavras e nos textos, o poder é ainda um pouco autoritário nos actos, na prática.

Sobre as manifestações que têm decorrido em Luanda, e em especial a do dia 3 de Setembro, diz ter sido participada por algumas centenas de pessoas. Todavia, ao pretenderem sair da Praça da Independência foram travadas pela polícia. Do confronto resultaram alguns feridos ligeiros.

Mas o mais interessante é o que Pepetela diz depois: “Não é correcto impedir que as pessoas se manifestem publicamente”. Se forem manifestações pacíficas, elas funcionarão até como verdadeiros tubos de escape ou como as válvulas das panelas de pressão… E rematou: “Deixem fazer as manifestações. Deixem fazer todos os sábados. É bom”.

Sobre as mesmas manifestações, e quando saía de um encontro com o primeiro-ministro de Portugal, o ministro das relações exteriores de Angola, George Chicoti, usou um tom completamente distinto.

Vejamos, por exemplo, uma das suas afirmações: “Temos um país com vários grupos étnicos, com várias sensibilidades políticas. E se cada um for para a rua e pegar em alguma coisa?”. Estamos, pois, aqui perante muita confusão.

O que é que as manifestações dos jovens contra a pobreza, a corrupção e a longevidade do poder do presidente da República têm a ver com a existência de etnias em Angola? Que eu saiba, nos seus protestos, os manifestantes nunca resvalaram para qualquer abordagem de carácter étnico. A leitura exclusivamente étnica dos nossos conflitos sociais e políticos é apenas da responsabilidade de quem assim se pronunciou.

A pobreza, a corrupção e o poder autocrático de modo algum são elementos típicos e distintivos de alguma qualquer etnia. O ministro Chicoti colocou o seu pezinho numa poça…, ao ir buscar, talvez para assustar os menos prevenidos, as etnias que não foram para aqui chamadas… Estes jovens têm outros problemas a resolver. Eles nunca apelaram a esta forma de agregação primária que, pelos vistos, está sempre a mexer com a “cuca” do ministro Chicoti...

Quem disse também ao ministro Chicoti que as diversas sensibilidades políticas não se podem manifestar? Em democracia o direito à manifestação não está padronizado por temas, nem pode ser de uso exclusivo de um único partido político, como, afinal, vem sucedendo em Angola. Oh, senhor ministro, nas democracias, a acção política também é realizada nas ruas, sob a forma de concentrações, vigílias, protestos. E muitas delas até com peças e tiradas de fino humor…

Eis outra afirmação interessante do ministro George Chicoti: “É verdade que vamos aceitar algumas manifestações, mas temos que ter o cuidado de que isso não descambe”. Não sei a quem o ministro se referia como tendo especiais poderes para aceitar algumas manifestações. Não é isso o que a lei diz. O que a lei diz é que a intenção de manifestar deve ser comunicada às autoridades, para elas garantirem que decorram em ordem e em segurança. Dito de outro modo: as autoridades têm, sim, a obrigação de proteger os manifestantes, e compete-lhes evitar que ocorram desmandos. Em caso da infiltração de elementos provocadores, ou de uma contra-manifestação nas proximidades, as autoridades devem actuar para evitar o choque e a violência.

Depois de abordar a necessidade de se consolidar a democracia e a reconciliação nacional, o ministro George Chitoti disse mais: “Não é necessariamente quem está na rua que tem razão, mas pode criar uma situação que não possa resolver, nem as forças armadas consigam resolver, nem a polícia consiga resolver”.

“Não é necessariamente quem está na rua que tem razão”. É claro, senhor ministro. Mas isso é o que se chama comummente “uma verdade de La Palisse”. Seria, sim, mais interessante ter ouvido o ministro Chicoti desmentir em Portugal que a luta contra a pobreza, a corrupção e a longevidade do poder do Presidente da República – afinal, as causas que motivaram os manifestantes a ir para a rua – são mentiras, não são realidades em Angola, são apenas invencionices daqueles jovens.

Porquê que o ministro George Chicoti se referiu às Forças Armadas? Senhor ministro, as Forças Armadas não são instrumentos para reprimir manifestantes! Elas existem, sim, para a defesa da soberania nacional, protegendo as nossas fronteiras contra agressões externas. Os democratas não recorrem às Forças Armadas para defender regimes ou grupos do poder. Essa é a prática das ditaduras e a arma secreta dos ditadores.

Está ainda muito fresca a memória do regime do Coronel Gadhafi que se socorreu da Tropa para se tentar livrar daqueles que queriam vê-lo pelas costas, após 42 anos de poder. Essa é também a especialidade do presidente da Síria, Bashar al-Assad, um verdadeiro genocida que até já tem os dias contados… Espero que estes dois sujeitos não se constituam nas figuras de referência dos nossos dirigentes. Porque, se o forem, será muito mau para Angola!

Sem comentários: