domingo, 18 de setembro de 2011

Os amotinados da jangada petrolífera


Reino Jingola, algures no Golfo da Guiné
A democracia é apenas para os que detêm o poder, para os restantes, o povo, é a democracia dos canhões e das prisões.
O rei reinava no seu reino – claro, onde mais deveria ser? – de poder quarentão. Estava lá eterno como os Papas. Passava o aborrecimento dos dias a aturar a corte ilimitada de bajuladores. De vez em quando, ou todos os dias?, dava uma famosa e luxuosa festarola que deliciava todos os participantes. Frequentemente troavam fogos de artificio durante ou no fim dos festejos. Por exemplo, o reino entrava, ou deambulava?, num corre-corre quando sua majestade fazia anos. Toda a nobreza desfazia-se em vénias e lhe augurava longos, felizes e ternos anos a tão venturoso monarca. O fausto real suportava-se por vastos lençóis petrolíferos e diamantíferos, enquanto da população os nobres da corte depreciativamente apelidavam-na de, a espoliação. Exceptuando a extrema miséria dos reduzidos a escravos, a espoliação, o reino vivia feliz, tranquilo, em paz e sem conflitos de qualquer espécie.
E um dia alguém segredou nos ouvidos de sua majestade que havia uma novíssima moda que quase todos os outros reinos do mundo decidiram seguir. E o rei muito curioso ordenou saber que moda era essa e para que servia. E o que segredou logo anunciou-lhe: «Meu esclarecido rei, esse costume novo chama-se democracia, e destina-se a garantir a liberdade dos cidadãos através de eleições livres, justas e transparentes que garantam a alternância do poder.» «Hum! hum! Que coisa mais engraçada… podemos experimentar isso no meu reino para nos divertirmos uns bons bocados, para quebrarmos a monotonia. Este reino está muito parado, muito alquebrado, pelo marasmo dominado. Vou já mandar publicar um decreto real e uma constituição a instituir esse modismo a que chamam de democracia.
E assim foi. O rei decretou, ou melhor, doou a democracia. E entre manifestações de regozijo e maratonas de bebes, isso de comes eram costumes já há muito ultrapassados, só nos ancestrais utilizados, os torneios, festejos duraram meses. As populações completamente inebriadas, acreditavam que as romarias alcoólicas se prolongassem indefinidamente, mas não. O rei anunciou o fim da contenda alcoólica e cada um se dirigiu para o seu local de pasto. Sim, local de pasto, porque já há muito não eram pessoas, apenas gozavam do estatuto menor de animais. Estes, os animais de carga, eram mais valiosos e bem tratados.
E de repente começaram as manifestações. Ao princípio timidamente, mas depois do medo perdido ousaram enfrentar o rei até chegarem ao ponto, vejam só, de exigirem a sua retirada do poder. Claro que ele não gostou nada da ofensa, mostrou-se até muito surpreendido com tal desplante. Meteu as mãos na cabeça e: «Ingratos, burros, estúpidos, que não sabem reconhecer quem lhes faz bem. Eu… que durante quase meio século fui mais do que um pai para eles, fui eu que lhes ofereci a democracia. Esperem aí que eu já lhes vou dizer como é». As reivindicações das manifestações avançavam. Alguns analistas ao serviço do rei prognosticavam que poderia haver um conflito incontrolável. E os cartazes dos manifestantes sucediam-se em dizeres: MESES, ANOS SEM SALÁRIOS. LIBERDADE E DEMOCRACIA! LIBERDADE DE EXPRESSÃO. REI FORA! Claro que o rei não estava para suportar tantos atrevimentos e faltas de respeito, e de imediato mobilizou e colocou de prevenção os seus dois homens de confiança, uma espécie de superministros, deu-lhes poderes de vida e de morte sobre os manifestantes a que de imediato lhes apelidaram de arruaceiros, e o festival começou, ou melhor, recomeçou. Atiraram-se aos arruaceiros com tal furor e ódio que por todos os locais do reino viam-se nas ruas jovens, as principais vítimas do sistema reinante, com cabeças, pernas e braços partidos. As roupas e corpos ensanguentados, dedos dos pés e das mãos partidos, escoriações e eczemas de toda a espécie e torturas praticadas com o mais sádico e psicopático prazer.
Os julgamentos dos arruaceiros foram praticados dentro da legalidade democrática, isto é, sumariamente julgados sem direito a nada, apenas um, a prisão de alta segurança, permanecendo os reclusos incomunicáveis, aguardando a morte. E o rei enviou o seu enviado especial, uma espécie de inquisidor-mor dos nefastos tempos da Inquisição, quem é que disse que a Inquisição acabou deve estar maluco, e logo chegado, ele era formado pelas melhores academias da educação patriótica, e desvelou para os reclusos/almas na última tentativa de os chamar à razão, pois que andavam muito tresmalhados do real rebanho, e já não acreditavam em nada - estavam exaustos de tanta conversa, de tanta promessa – e o real inquisidor-mor, animado, tal e qual um padre exorcista com a sua bíblia exorcizou-os, curou-os. Mas de nada adiantou, porque quando o vírus da democracia se instala não existe cura, é incurável. E o inquisidor-mor tentou o seu melhor: «O nosso Politburo esteve reunido em sessão extraordinária - já vamos no número recorde de quase dois milhões de reuniões – por aqui se pode ver o empenho da nossa sábia liderança nos destinos desta portentosa, imensa Nação sempre debaixo de forte tensão - no povo não, apenas por enquanto centramos as nossas atenções nos nossos dirigentes muito carenciados, coitados. Pois, como dizia, em sessão extraordinária, e onde mais uma vez nos debruçámos sobre a imperiosa necessidade de destruirmos mais doze mil casas. Povo jingolano, compatriotas! Os sacrifícios que lhes exigimos fazem parte de um vasto leque de oportunidades já garantidas mas ainda não cumpridas. E os camaradas sabem bem porquê. É que a oposição não nos deixa trabalhar, só serve para nos atrapalhar. Portanto, declaremos exterminação à oposição. A nossa promessa eleitoral da destruição de um milhão de casas e exterminação dos mosquitos serão cumpridos. Até as praias privatizaremos. O nosso Politburo está atento a todas as manifestações que contrariem a nossa vanguarda revolucionária. O nosso povo sabe escolher melhor do que ninguém quem são os seus inimigos e amigos. O nosso povo merece o melhor, por isso camaradas, lutemos para garantirmos a mandioca, o milho... os produtos importados. Devemos manter-nos sempre bem vigilantes e levantar bem alto a bandeira dos nossos heróis. A reacção interna pretende mais uma vez erguer a cabeça comandada pela burguesia que nunca desarma. Camaradas, partir-lhes os dentes é um dever revolucionário. Denunciemos todos aqueles que se oponham aos nossos ideais, pois que só assim a nossa revolução em defesa dos ideais mais nobres do nosso povo será um facto. Camaradas! É necessário, fundamental para a nossa sobrevivência que apoiemos os nossos camponeses há muito abandonados pela promessa dos apoios dos créditos bancários para desenvolvimento da nossa agricultura. A economia de mercado, uma imposição do imperialismo e capitalismo internacionais é uma aposta momentânea, porque a terra é do povo, de quem a trabalha. Não podemos nem devemos atraiçoar as camadas mais exploradas, as massas, que confiam em nós. A nossa revolução está ameaçada. Camaradas, mantenham-se em prontidão combativa. Aos democratas nem um diamante». E um arruaceiro bem esclarecido pelas arruaças da vida não se intimidou nem cair no logro se deixou, e replicou: «Vida de escravocrata é assim. E quando os escravos se revoltarem, da fome e da miséria se libertarem? Nas prisões não há lugar para mais arruaceiros, pois só quem rouba pão para sobreviver vai para a prisão. Estas prisões que se enchem de miseráveis e os corruptos que esbanjam o nosso património, para eles não há jaulas. O problema é quando os escravos já não suportam tanto sofrimento e perdem o medo. Os prisioneiros dos campos de concentração nazis também eram assim, e revoltavam-se e escapavam-se para a liberdade. Os tempos mudam, os corruptos e os ditadores jamais. A democracia é a libertação da História, é o confisco dos bens dos corruptos e dos ditadores. É a libertação das grades da fome da prisão. Entretanto os últimos ratos passeiam no convés do navio, preparam-se para se atirarem ao mar, na derradeira tentativa de se salvarem. O mar está muito encrespado, revolve-se e engole tudo. Aqui nasce uma coisa muito importante: como é possível viver num país sem lei? Como se conseguirá sobreviver no dia-a-dia? Qualquer injustiça praticada, a quem é que me queixarei? Quer dizer que ficarei à mercê de qualquer farda ou de qualquer denúncia não fundamentada? Meu Deus… julgamento sem acusação formada? Isto é a coisa mais aberrante que nos pode suceder. Onde está o nosso futuro? Vamos viver sempre no receio de que alguém nos dê um tiro? Olho para as ruas infestadas de cães e vejo como eles são livres. O tempo da liberdade e da democracia esfumou-se. As garras da ditadura espreitam-nos, preparam-se para nos darem o veredicto final. As nossas vidas e o nosso futuro resvalam perigosamente nas valas da morte».
E todos se esquecem de uma coisa muito importante, das nossas mulheres todas misses universais. Mulher é uma pérola sempre presente, não necessita de ostra. É o sorriso que nos faz viver. É a beleza infinita dos gestos da gesta do encanto. É um potente feixe de luz que nos guia e nos abduz para os caminhos/ninhos do amor. O mistério do seu olhar faz com que o nosso coração estabilize, normalize a pressão arterial. Ser mulher é o êxtase astral. Uma mulher é várias dimensões, vários Universos. É uma rosa de pétalas eternas. É a nossa escada de salvação para o paraíso. O Mundo move-se, o Mundo é mulher. As suas carícias não são ternas, são divinas. Amá-la é saber escutar os sons dos seus silêncios. O tempo é infinito, foi a mulher quem o inventou. Paz, silêncio, harmonia, sabedoria, paciência, perdoar, acreditar, ternura, amor, e muito, muito mais da essência divina que origina a MULHER. As lágrimas da mulher fecundam a Terra dos jasmins.
A imprensa do nosso “IV Reich” nem uma letra sobre as manifestações ou algo similar. Da miséria e dos direitos escamoteados dos cidadãos idem aspas, para evitar ao máximo que ninguém saiba o que se passa nesta prisão correccional nacional. Prisões arbitrárias, sem lei, perseguições políticas, presos abandonados como animais no matadouro, torturados, humilhados, psicologicamente assassinados. Perante tal palavra de ordem “exterminação da oposição” e consequentemente de tudo o que é mosquito, sob os canhões que disparam terror provocando insegurança total, um perigo está latente: e se os arruaceiros começarem a pegar em armas - o que está por um fio? - e ripostarem para se defenderem, para não se deixarem matar? Pensemos nisso.





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