quarta-feira, 21 de setembro de 2011

A democracia é um valor universal, não é apenas ocidental! Maurilio Luiele


"Aka Mano Celso (Malavoloneke), de novo?"

Escrevo esta nota para exprimir a minha opinião sobre uma questão que volta e meia e meia volta e volta e meia outra vez o nosso amigo Celso Malavoloneke nos coloca: a democracia liberal é mesmo o sistema ideal para a África? Parece que esta questão vem inquietando há muito o Celso e os últimos acontecimentos no mundo árabe e em Angola bem como os desenvolvimentos da crise econômica mundial na Europa e EUA só fizeram crescer esta inquietação, que, aliás, não é apenas dele, mas de muito boa gente.
Começo por dizer que, tal como eu a entendo, democracia só existe uma, portanto ela não é uma "propriedade" ocidental, mas sim um valor universal, da mesma forma que são os direitos humanos, petrificados na Carta Universal dos Direitos Humanos. Em segundo lugar, não é verdade, que a democracia em África é uma imposição ocidental, creio mesmo, que as sociedades africanas, altamente heterogeneas só puderão resolver os seus diferendos num quadro democrático. O contrário seria dar lugar a sociedades injustas com conflitos latentes prontos a eclodir na primeira oportunidade, o que não é de todo desejável. Porque entendo que a democracia não pode ser vista como uma imposição ocidental aos Estados africanos?
A democracia enquanto sistema político, tal como a entendemos hoje é uma adaptação da democracia da Grécia antiga(desenhada para as cidades gregas) para os estados-nação que emergiram há quase cinco séculos como resultado da desintegração dos impérios que dominavam a Europa (austro-húngaro, otomano, czarista). Como construção teórica ela contou obviamente com subsidios importantes dos filósofos da Grécia antiga de Platão a Aristóteles, mas contou igualmente com subsídios incomensuráveis dos cultores do iluminismo e vários outros estudiosos com destaque para Rousseau, Montesquieu, Hobbes, Alexis Tocqueville, para citar apenas alguns!Curiosamente, é do outro lado do Atlântico, nos EUA, que ela acaba conhecendo a sua forma mais elaborada, com a elaboração da primeira constituição democrática. No plano político, prático, a democracia foi alvo de acesas disputas e, talvez de guerras sangrentas, por isso, o triunfo da democracia representa uma conquista celebrada por muitos povos e nações.
É aqui, pois, que reside o busílis da questão quando se discute a democracia em África. Os estados-nação africanos curiosamente são produto do violento processo de colonização, com fronteiras territoriais delineadas em gabinetes que se situam a milhares de quilómetros de África, por pessoas pouco ou nada africanas, que fruto das lutas dos povos africanos e, também, do esgotamento dos próprios impérios coloniais (é bom que se diga isso) acabaram cedendo as independências aos Estados africanos. Estes estados-nação emergentes tinham, portanto, uma configuração que se parecia mais às nações que antes as tutelavam, do que aos reinos africanos pré-coloniais. Pudemos, portanto dizer, que os estados-nação que emergem com as independências eram por si só já "ocidentalizados" expressão que não deve ser levada ao pé da letra.Por razões óbvias ninguém reclamou o retorno as fronteiras pré-coloniais, pois em mais um daqueles paradoxos dos pprocessoos globalizantes, o colonialismo se encarregou de promover a evolução dos antigos reinos africanos à condição de estados-nação. Uma característica destes estados é justamente a diversidade, étnico-cultural, racial, social econômica e religiosa que o Estado na sua lógica autoritária tende a homogenizar. É aqui onde entra a democracia: qual o sistema político que é capaz homogenizar sem apagar as diferenças?Quem conhece outro que me diga, mas eu, não conheço para o caso uma alternativa à democracia. Olhando para a história não consigo olhar nada que seja melhor, daí que subescrevo por inteiro a célebre frase de W. Churchill "a democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas". O curioso quando questionamos a democracia como sistema político adequado à África e o rotulamos de ocidental é que não rejeitamos os estados-nação que são igualmente uma construção "ocidental" nem outras invenções ocidentais que nos trazem evidentes vantagens tecnológicas. Que tal se rejeitássemos também o automóvel, que tem o seu lado poluidor e pode contribuir para grandes danos ambientais?. Quem se atreve? Porque não rejeitamos também outras redes que tecem hoje o desenvolvimento como as telecomunicações, os transportes aéreos, os sistemas financeiros e outras tantas coisas que são também uma concepção essencialmente ocidental e que são hoje indispensáveis às nossas vidas? Questionar a democracia como produto ocidental não passa de puro oportunismo que só favorece grupos políticos que buscam hegemonia a qualquer custo para expoliar riquezas comuns em benefício próprio. Em geral, estes déspotas africanos que se opõem à democracia rotulando-a de produto ocidental e que proclamam fictícias soluções africanas, acabam entregando a ocidentais o produto do roubo descarado que fazem das riquezas dos seus povos. É um paradoxo, é puro cinismo!
Se os estados africanos derivam dos estados-nação ocidentais é lógico qua a democracia se aplica a eles; existem particularidades (?), claro que existem, mas, a democracia é suficiente flexível para acomodá-las, contrariamente a outros sistemas. Em Àfrica a diversidade é de tal ordem, que só mesmo, o sistema democrático é recomendado para acolhê-la. Entre outros, são dois os grandes fundamentos da democracia: a liberdade e a igualdade. Estudiosos como Bobbio, acham que as diferenças entre os países democráticos situam-se na forma como lidam com esses dois pilares: existem aqueles que privilegiam a liberdade e relegam para segundo plano a igualdade, é o caso da chamada democracia liberal, que acaba por reduzir o papel o Estado ao mínimo necessário, e existem aqueles países democráticos que valorizam mais a igualdade (social) o que implica uma participaçãao maior do Estado na vida dos cidadãos. Entre estes extremos existem várias gradações, a democracia ideal seria, no caso, aquela que fosse capaz de combinar harmoniosamente estas duas variáveis, coisa, que convenhamos, não é fácil de conseguir, mas, o exercício da democracia deve significar a busca incessante deste ideal. Buscar isso significa respeitar direitos e liberdades fundamentais, convocar os cidadãos aos seus deveres e não se ficar apenas pelo voto e se convencer que com as eleições a democracia está resolvida.O desafiodos africanos é, portanto, encontrar a combinação mais adequada para cada contexto e isto, de certa forma é arte política. O grande problema, aliás, das democracias africanas emergentes é pensar que o sistema se esgota nas eleições e, por isso, elas valem até os olhos da cara, uma questão de vida ou morte, enfim. Quem concebe a democracia assim, entende como justificável o recurso à fraude, porque o fim justifica os meios e é isso que, infelizmente tem manchado em muitos casos o doloroso processo de democratização em África. Portanto, a solução dos diferendos nos países africanos, longe de passar por processoss centralizadores e em alguns casos, autocráticos, reclama por mais democracia.Não faz sentido buscar estabilidade política sacrificando a democracia. A verdadeira democracia privilegia as instituições em detrimento dos homens e isso confere estabilidade ao sistema. Não se resolve a questão das diferenças com intolerância, mas a democracia pode comportar as diferenças. É neste sentido, que considero infelizes as recentes declarações do Ministro das relações exteriores George Chicoty, proferidas em Lisboa, quando justificou a carga policial sobre os manifestantes de 3/09 com a necessidade de ter cuidado porque existem muitos grupos étnicos em Angola. Não senhor Ministro, é exactamente esta diversidade que nos deve conduzir à opções mais plurais, isto é, a uma deemocracia mais aberta e franca e nã à repressão violenta de manifestações.
Por último importa referir que já se descrevem sinais que parecem indicar uma falência da democracia tal como a concebemos hoje. Mas isso é uma consequência da própria falência dos estados-nação. De resto, o surgimento nos finais do século passado de muitos blocos de integração econômica e política cujo exemplo mais acabado é a União Europeia, parece indicar a necessidade de se passar para uma forma de organização supra-nacional ainda inexistente. As novas tecnologias de comunicação e informação, aliadas a outras redes da era moderna (transportes, etc.) são o grande motor que vai impulsionar esta novaa construção social cujos só podem ainda ser adivinhados pelos grandes estudiosos. É um processo doloroso que, como todos os outros, cobrará uma factura maior dos mais fracos. As nações africanas devem portanto procurar se posicionar hoje para estarem amanhã a altura deste desafio, pois a alternativa à democracia de hoje não será nunca o retorno aos reinos primitivos, mas, a evolução para formas supra-nacionaais de integração. Para não participarmos da construção desta nova arquitectura mundial em posição desvantajosa, precisamos fortalecer hoje os nossos países, as nossas economias, com apostas sérias em educação e saúde e investimos sérios em infra-estrutura que possam catapultar de facto o desenvolvimento dos nossos países. Neste novo desenho um dos grandes desafios será aliar o anseio natural por liberdade com a necessidade objectiva por segurança o que exigirá por certo muita habilidade e inteligência por parte dos arquitectos, engenheiros e cientistas polítcos e sociólogos. Vejam, seguindo o link abaixo, a interessante entrevista do sociólogo Zygmunt Bauman, para irmos percebendo o futuro que se adivinha. Não nos esqueçamos que o mundo actual é o mundo da velocidade, por isso, muitas coisas que hoje parecem pura utopia, podem acontecer mais rápido do que imaginamos!
Em suma, a democracia deve ser vista como um valor universal; a democracia pode e deve ser aplicada em África e de resto ela pode ser o pano de fundo para harmonizar as diferenças que constituem a diversidade étnica, cultural,religiosa política e ideológica, social e económica que caracteriza a maioria das nações africanas. Não faz absolutamente nenhum sentido questionar a democracia rotulando-a de produto ocidental.
Convido-vos então a verem a entrevista de Zygmunt Bauman

http://www.youtube.com/watch?v=POZcBNo-D4A&feature=email

1 comentário:

Unknown disse...

De facto, felicito o Sr. Dr. Maurilio Luiele, pelo raciocinio exibido sobre o argomento da Democracia, é de facto um produto ocidental, que teve e tem a sua evoluçao historica, adaptando-se as diversas realidades sociais, tornando-se nao patrimònio ocidental, mas sim universal. Para a Africa, como diceste, e muito bem dito, a ùnica saida que temos, se quisermos viver tranquilos é a democracia, a crise que se està a levantar na nossa terra, com diversas manifestaçoes de reivindicaçoes, e pelos vistos se as coisas nao mudam, tende a piorar, é mesmo a falta de uma democracia, no verdadeiro sentido da palavra, acredito que, estamos neste processo, e se Deus nos ajudar chegaremos la. Um forte abraço cheio de paz!