quarta-feira, 2 de setembro de 2009

A Epopeia das Trevas (41)


Um participativo escuda-se no prudente silêncio. Receia falar porque lhe podem atirar o primeiro pedregulho da incompetência. Os convivas atiçam-no, então descongestiona a perda de coragem da garganta, refina o espírito, evidencia-se e reprova a turma do deixa-disso:
- Os Jingola querem rever os estatutos da fome. Os políticos falam bué, muitos comícios, muitos debates, chuvas de palavras, seca alimentar. Fome canina de vento desabrigado. A fome supera os caudais oceânicos. Os lucros dos bancos sobem, a fome também. Palavras… dar o dito pelo não dito e os reditos maldosos aterram-se, vítimas da sua maldade. Políticos que sorteiam justificação, todos são deuses, daqueles inacessíveis.

O contumaz orador sentiu a boca colar-se. Era um esforço desabituado, contaminado pelo pó tempestivo que inundava a cavidade bucal. Solicitou água mineral, só havia desmineralizada devido às constantes fervuras. A garganta arranhava-se, entupia-se, congestionava-se. Na aflição qualquer água serve. Fez um sorvedouro, uma goleada de goles. Com a garganta reparada desfilou a temática.
- O cortejo feudal do caudal automóvel outonal, luxuário do descrédito actual, envergonha o solo habitual da pobreza mortal. As vestais auguram aos príncipes encantados que o rei dos canhões anunciará eleições. Serão flageladas em 1132, 1133, 1134. Desflorestadas em 1135, 1136, 1137. Desacostumadas em 2009, 2010, 2011, 2012. Aguardadas pela Renascença, abandonadas pelo Barroco. A nossa diferença reside em que não podemos ter ideias diferentes. Quem não está preparado para governar, que vá caçar… gralhas. Urge um bom realizador que grite: CÂMARA! ACÇÃO!

A geratriz das ideias expõe o fervor ideológico. Perde-se o senso moral, abandona-se o bom samaritano. O perigo da política sectária acirra e confronta os espíritos, anima a imersão de conflitos civis. Quando um dos lados está contra tudo e todos, o poder salta-lhe à vista. Os anarquistas omnipresentes lançam poeira nos olhos incautos.
- Há alguém que consiga fugir da prisão preventiva das cidades? Que não se canse de fazer amor, sempre com a mesma mulher?
- Eleições, com biliões? Quando a bondade se vê e deseja…é escarcéu… os Órfãos e os do Politburo são guerreiros, a eleição será pautada à paulada, cacetada. Se os Órfãos ganharem, os Politburo amarram o jogo, vão virar o resultado. Aliançados com grandes negócios, não darão as costas a midas. Se os Politburo perderem – têm que ganhar – os militares estão lá para resolver, para decidir a contenda favorável aos Politburo. É assim que sobrevive uma nação guerreira, com o seu líder eterno colocado nas nuvens. Com ar de mistério no mar desencontrado.
- A espada da barbárie de Urundi suspensa.
- Para cada quadrilha de malfeitores há sempre um herói. Como Bat Masterson e Wyatt Earp, o panteão da história lembra-os.
- Na história da caubóiada.
- Nas leis da História. Os heróis são necessários, entram em acção e repõem a legalidade.

O receio da cólera feria as mentes, congestionava as vias públicas. A cólera é pungente porque o poder não se sente. É sonho diurno. A lábia dos boca a boca interrompeu-se. Radiodifundia-se actualização do vibrião.
- Aguentem a cavalaria! Vai sair locução dos números epidémicos.
- Muda para a Rádio do Oráculo, a outra faz desconto.
- Já está! Deixem radiar.
Rádio Oráculo. Números da cólera…quarenta e dois mil infectados e mil e seiscentos mortos.
Mais informação com o nosso correspondente:
… Desencontro-me no desertus mirabilis. O barqueiro Caronte tem a situação controlada. Desviou um afluente do rio Estige que inunda o desertus mirabilis. As vítimas excedem-se. Os defuntos progridem com os vivos. Estes, para escaparem dos fluidos de Caronte, saltam pelas janelas do hospital, que parece o anjo da morte Mengele. O cheiro dos cadáveres é insuportável. Há mais de um mês que as autoridades locais guardam silêncio. A cólera espalha-se como uma invasão de gafanhotos. Quem divulgue informação do que se passa, as autoridades ameaçam com tribunal ad hoc. No momento em que vos falo, os Politburo montam-me guarda. Dizem que vão cursar-me tratamento de choque informativo. Que tempos coléricos estes. Ó da guarda! Digo adeus ao mundo.
- Mentor…
- Minha Jasmim, a cólera encoleriza os cegos de espírito.

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