quinta-feira, 3 de setembro de 2009

A Epopeia das Trevas (42)


A estirada para Tule avançava, diminuía o percurso. A paisagem da juventude Jingola que enchia baldes com água para lavar carros e solidificar a fé comestível, não melhorava. Jovens dengosas auscultavam nos vidros dos carros e trocavam impressões sobre o preço da carne. Os seguranças permaneciam encostados, apoiados nos pilares. Outros sentados em improvisadas cadeiras.

De repente o ambiente intempesta-se. Dois desabridos seguranças manifestam dor da alma. Um narra para os colegas os últimos acontecimentos. Roga apoio, mas os colegas limitam-se a ouvi-lo, porque ao mínimo deslize perdem o emprego.
-… O director da empresa da vanguarda Politburo apresentou lamentos: Descobriu que algumas alvíssaras se evadiram dos cofres. Vai daí, nada mais fácil do que culpar os seguranças. O indistinto prosélito, qual mastodonte fóssil do Mioceno ordenou: «chamem a polícia Politburo». A polícia chegou, ele deu-lhes a quantia necessária para as investigações e actuaram de imediato. Cismaram para quatro seguranças, arrastaram-nos e divertiram-se muitas horas a cascar-lhes chapadas com catanas nas costas e nas faces. Num deles, os Politburo arrancaram-lhe as unhas dos dedos das mãos. Depois atiraram-nos para um albergue com os ossos tão amassados que alguém se lembrou de dizer: «essa pasta óssea dá para fazer pastilha elástica».
- Mentor… é doença mental?
- Hum, hum. Prometeram-lhes mundos e fundos, a felicidade eterna. No princípio é fácil abusar da boa fé das pessoas, com muitas promessas eleitorais que se perdem nos vendavais. Tiram-se muitos dividendos, mas com o tempo tudo se desmorona. É como a prisão perpétua.

Adiantei-me numa rua onde se escutava uma ode ao automóvel. Buzinas estrondeavam, trombeteavam coro metálico de harmonia com vozes humanas. Realmente parecia um imenso manicómio. Tantos loucos varridos à solta! Alguns punhos erguidos agitavam-se temíveis. A explicação saltava à vista: um enorme contentor abandonado na rua obstruía os sentidos do trânsito. Nenhum carro entrava ou saía. Satisfiz a minha curiosidade num automobilista:
- Esta rua está condicionada a parque de estacionamento de contentores?
- Não! O motorista abandonou o contentor às cinco da manhã, e continuou… zarpou para a bebedeira com o camião.
- E?...
- E como pertence a uma empresa de um Politburo, não podemos fazer nada… senão levamos nos cornos.

O casebre de Mentor não prestou a mínima atenção quando chegámos. Parecia que as chapas onduladas que cobriam o telhado sorriam com a nossa presença. Mais chapas zincadas rodeavam o casebre. Contra elas o lixo e a água do esgoto próximo remavam, rumavam para incerto destino. Mentor abriu a porta gótica e entrámos. Pegou numa vela, acendeu-a. As sombras dos objectos revelaram-se como fantasmas. Cuidei-me ao sentar-me numa cadeira tresmalhada. Tinha um calcanhar vulnerável. Precavi-me, firmei-a na parede com cuidado. Desconfiada, se a estrutura resistiria à pressão. Mentor sorri, apresenta explicações:
- Sabes, não dá para ter uma casa em condições. Só o mínimo indispensável, porque quando chegam os assaltantes e os predadores das demolições do Politburo, se não conseguem roubar nada, pegam-lhe fogo. Obrigamo-nos a viver no estilo gótico. Luz é impossível… à noite abundam aparições de alicates fantasmas que cortam os vultos dos imateriais cabos. Olha… temos que prestar atenção às velas, algumas parece que explodem.

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