terça-feira, 22 de setembro de 2009

A Epopeia das Trevas (49)




Alheados, ratinhos do lixo trabalham Destampam contentores, abrem sacos com lixo na esperança de encontrarem pitéu. Mas não dá para o petróleo. Uma gracinha, talento floral inocente dos primeiros passos corais do espírito evangélico, desconfia para um ratinho:
- Donde vens?
O ratinho olha-a, considera-a fada das lixeiras. Mergulha as mãos e quase a cabeça no contentor. Não tem nada para dizer, não sabe o que é viver. A resposta só pode ser dada como a vida do lixo.
- Lixado, mal lixado!
Um gato sente-se ofendido pela verticalidade da pernada do ratinho. Os gatos são exímios concorrentes desleais. O felino afasta-se do seu hábito alimentar, dá uns saltos e outro lixo seguro à vista. Duas crianças politizadas e continuamente educadas do antanho satirizam:
- Contra milhões de esfomeados ninguém combate.
- Essa é boa! Porquê?
- Porque derrotados, fica muito dispendioso alimentá-los.

Os vermes provenientes do lixo invadiam quintais. Procuravam melhor caminho para espoliarem nas casas. Os esgotos e águas paradas originam a democracia incipiente. Democracia violentada na ilusão das palavras da liberdade, porque os famintos nas prisões da fome não se alimentam das epidemias das ideologias políticas. E a peste negra, em parte, como todos sabemos fez o sistema feudal desabar.
Não é possível o ser humano amar, porque destrói o amor!
As águas escuras da putrefacção habituam as pessoas à escuridão. E da janela sempre à espreita, um bom observador sempre nota algo que se aproveita. Os carros foram feitos para andarem, e nas estradas estão continuamente a pararem. Progresso é passar o tempo da vida nos assentos dos carros.

Mar alto, como se o mundo fosse água. Para onde quer que olhe vejo tudo liquido. Que imensidão na minha pequenez. Sinto-me microscópica perante tanta vastidão. As ondas poderosas fazem liberdade. Mas, estou receosa, isto não é vida para mim. Vou descontrair-me junto dos meus companheiros, ouvir o que conversam. O mar para eles é como se fosse um velho amigo. São filhos dele. Acho que Ulisses está a astuciar, sempre.
-… Com um bom pastor e ovelhas obedientes…
- Sem líderes?
- Mentor… se as tais massas forem inteligentes, pensantes, souberem o Caminho, os políticos acabam.
- Deixa de haver partidos políticos.
- Exactamente.
- Acabando com eles, acabam as equipas.
- Como no futebol.
- Não! As pessoas podem chutar a bola à vontade, seja redonda ou quadrada.
- De preferência quadrada, redonda qualquer joga.

O mar não se cansa de ondular. Nasceu assim, vive, é feliz sem fim, é jasmim. Estou a deixar-me levar para terra firme, a relembrar a desventura, a incerteza do Homem das bombas. Homem, o invento mais estúpido que a Natureza criou, o monstro, o predador, o maldito Homem que em conflito com o semelhante, quebra lanças por, lança-lhe bombas. E nascem abençoados nos tectos de Deus.
Igrejas não faltam. Talvez sejam superiores em número a ratos, a baratas e lixos que comandam a actividade diária dos Jingola petrofamintos. Em frente a buracos lixo e esgotos existe uma igreja. E os seus cantos litúrgicos reforçam milenarmente: «Jesus, a minha vida são pedaços do teu sangue derramado.»

Sem comentários: