quinta-feira, 24 de setembro de 2009

A Epopeia das Trevas (51)


- Quando chegar à Ibéria, depois parto para Armórica… tenho lá uma prima. Finalmente… regresso à civilização… da comida.
… apenas vestígios. Dantes as pessoas revoltavam-se, agora não. Estão cansadas, submissas, frustradas. Os intelectuais desapareceram… apareceram muitos pseudo-intelectuais que dirigem as sociedades. É fantástico ver como toda a gente os segue. Lembram Júlio César a subjugar os Celtas.

O Mentor está à pesca. Atira o anzol sem isca, recolhe-o, volta a atirá-lo. Que paciência de Job. Anzol sem isca… deve ser pesca de malucos. Oh, afinal bate bem. Pescou um bem grande. Ufana-se:
- É uma dourada! Vou fazer sushi.
Ulisses tranquilo confunde-se com o mar. Talvez porque Penélope esvoace, abrace e lhe dê doce calmaria. Conversa vai, conversa vem.
- Onde cheira a negócio, de imediato aparecem os homens.
Mentor afadiga-se no corte de fatias finíssimas, tenrinhas, fresquinhas, do esquartejado teleóstio. Dá apito de manobra:
- É futebol… se falta entrosamento, concentração e força anímica, perde-se a batalha.
- Não, não pode ser. Não foi Deus que criou o Homem, que aberração, que imperfeição, que monstruosidade. Estamos dominados, governados pelo demónio há mais de dois mil anos. Esta é a verdade. O fundador… os fundadores, os seguidores da Igreja, são… Satanás. Ele está aqui, sente-se, move-se, domina-nos. Eis porque o mundo está no fim, no caos. Satanás está em todo o lado, ninguém lhe consegue escapar. Estamos amarrados, vivemos os últimos dias da maldade. Satanás triunfou.

Calaram-se. Que ventura. Longe de casa, na solidão marítima o pensamento é mais sagaz. Discorre perfeitamente. No convívio da verborreia humana é quase, senão impossível pensar. Hoje, a loucura humana criou a sua melhor descoberta: o ruído. Por isso os cérebros andam tão decadentes, desmazelados, que desconseguem reflorir. Descomplexei-me e expus-me a Mentor:
- Mentor, acompanho-te porque não acredito nos intelectuais Jingolas, metem-me medo, são falsos, oportunistas, aterradores. Mas, creio que sempre foi assim desde os primórdios, desde aquela abalada quando os nossos ancestrais viviam nas cavernas, depois aprenderam a usar um osso como arma. Que pobreza de espírito. Como se alguém acreditasse nisso. Custa-me a entender o porquê de tanta violação da História. Quanto menos contactos humanos melhor. Porque é pernicioso, perigoso, e evitamos muitos dissabores. Vivermos como eremitas? Sim, porque não? Existe alguém que goste de viver com serpentes venenosas? Ainda não está tudo perdido. Chegou a hora das grandes cruzadas. O tempo de desembainhar as nossas espadas e acabar com os maldosos. Fazer outra vez um rio de sangue divino, e salvar a humanidade. Não há alternativa. Vamos a isso, acabemos com eles!
- Os tempos apagados continuam experientes… coisas que antes eram dadas como certas, mais tarde verificamos com surpresa estarem erradas. Uma delas é fundamental: A África Negra permanece, permanecerá primitiva.
- Porra! Esses guardiães do templo da memória são muito perigosos.
- As noites dos tempos são sempre iguais, não se alteram. Os dias findam e escurecem, as noites acabam e amanhecem.
- A escravatura não mudou, porque o homem não acabou. São tantos os escravos que não se podem contar.
- A civilização Branca da fome faz-lhes o balanço.
- Sim… o homem Branco, a civilização Branca… os destruidores de civilizações.
- Se me dessem a escolher entre um homem e o demónio, escolheria o demónio, porque ele me ajudaria a eliminar o homem.
- Quando não existir homem, haverá finalmente paz na terra.

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