sábado, 5 de setembro de 2009

O Cavaleiro do Rei (53). Novela


Capítulo três

O Feiticeiro do Centro com ares de intelectual e cérebro bem lavado pela propaganda estalinista repete-se:
- Camaradas e compatriotas membros do glorioso partido dos Feiticeiros. A nossa grandiosa luta de libertação nacional, os nossos heróis que tombaram, não derramaram o seu sangue em vão. Alguns de nós tombaram nas esquinas devido aos assaltos dos telemóveis e às espoliações e destruições dos nossos ancestrais bens. A nossa luta ainda não terminou. Agora a nova guerra de libertação nacional orienta-se sabiamente contra os esfomeados. É uma luta sem tréguas…
Alguém da assistência interrompe, faz-se ouvir.
- Porra! Este gajo veio para aqui por engano! Vai para o Palácio do rei!
O orador sente que alguma coisa está errada. Verifica os papéis e justifica-se.
- Desculpem, enganei-me no discurso. Vou continuar... como dizia: a nossa luta de libertação nacional, sabiamente conduzida pelo nosso Grande Feiticeiro fez com que a exclusão e escravidão…
- Olha o gajo! Agarra! Atrás dele!

Uma turba qual vulcão cai em cima do orador. Este torna-se num minúsculo ser. Pancadaria cai-lhe no corpo. O Grande Feiticeiro aparta os ânimos. A vítima recompõe-se. Um exaltado esclarece:
- Pensas que estamos em 1975?! Essa conversa já não dá. Já abrimos o olho… vai directo ao assunto.
- Está bem, já sei o que querem… oiçam por favor: As brigadas do bilhete de identidade estão sem plastificação. Roubaram-lhes um mês de vencimento. Não têm alimentação, “esqueceram-se” de pagar-lhes os vencimentos. O dinheiro dos carros para os apoiar desviaram-no. A desmotivação avança. O feitiço para sabotar as eleições resultou. Tudo está definitivamente enfeitiçado, para que não hajam eleições. Quem as quiser, que invente outra nação ou vá para o reino do Gabão... tenho dito.
- Vês que quando queres sabes falar? Muito bem! Muito bem!
E premeiam o orador com uma grande chuva de palmas.

Capítulo quatro

Sou o Feiticeiro do Sul. Posso afirmar que o Santo Oficio perdeu as forças para nos combater. Temos feiticeiros infiltrados nos centros de decisão. Não há actividade sem feitiço. Temos escolas que formam bons feiticeiros. Somos rigorosos com os nossos remédios. Conseguimos acabar com famílias inteiras. Finalmente conseguimos o respeito e admiração que merecemos.

Conclusões

O Grande Feiticeiro prepara-se para encerrar os trabalhos.
- Camaradas Feiticeiros e… desculpem isto dos camaradas. Sabem… foi tanto tempo que por vezes não esquecemos… Feiticeiros e Feiticeiras finalmente realizámos o nosso sonho com este primeiro congresso. Devidamente legalizados já podemos atirar as pernas para a frente. A feira dos feitiços aqui perto é um êxito. No topo de vendas está o feitiço da fome, do roubo e dos poetas. Estamos em todo o lado, somos imparáveis. Há ainda quem não tenha as suas quotas em dia. Tem trinta dias para as pagar. Findo o prazo serão contemplados com um poderoso feitiço. Às delegações estrangeiras dizemos: bem-vindos e roubem à vontade.

Apelo ao pessoal de serviço para limparem a porcaria que fizemos. O cheiro está insuportável. Limpem com lixívia nacional, importada não dá. Ah!.. Antes disso convém lembrar: A nossa capital é a mais exótica do mundo. As nossas esposas bem enfeitiçadas passeiam nas ruas apresentando o nosso genuíno folclore nacional. Com as oferendas em qualquer recipiente ficam bem enfeitadas com o que carregam na cabeça. Esse é o seu penteado tradicional. Nunca se esqueçam do mais importante. Para obter dinheiro basta matar um familiar.

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