quinta-feira, 24 de setembro de 2009

O Cavaleiro do Rei (62). Novela



No vice-reino do Namibe, provenientes de um navio que encalhou, oito toneladas de açúcar impróprio para consumo são despejadas algures no deserto. Milhares de esfomeados correm na sua direcção como se fosse uma mina de oiro. Alguém alerta uma jovem:
- Esse açúcar está contaminado, não sabes que podes morrer?!
- Nós temos muita fome, comemos tudo o que aparece.
- Não tens medo de morrer?!
- Vamos comer, se não morrermos é porque não faz mal.
- Quantos sacos já apanharam?
- Eu apanhei dois, a mamã quatro, a tia oito e o papá dez… né?!
- Hummm! Hummm!
- E o que é que vão fazer com o açúcar?
- Vamos vender e fazer bebida. Temos muita fome, muita fome!

Os engenheiros chineses avançam com as suas máquinas para a construção do novo aeroporto de Jingola. Protegidos por polícias e militares arrasam as lavras dos camponeses. Estes surpreendidos reclamam. Mas nada conseguem fazer perante tal aparato. Com generais e militares não parece um aeroporto civil, parece uma gigantesca unidade militar.

Mais oitenta e quatro jovens que se dedicavam ao roubo são capturados pela polícia. Um repórter pergunta-lhes:
- Mas roubam porquê?
- Porque não conseguimos trabalho. Como precisamos de comer, temos que roubar.

Uma empresa de diamantes não assume os compromissos com os seus trabalhadores. O jornalista interroga um deles:
- O que é que se passa com vocês?
- O director não nos paga há dois meses. Além disso nunca nos pagou os subsídios. Queremos falar com ele, em resposta diz que está à espera de visitas. Criámos uma comissão sindical. Como represália despediu dez. Agora vamos fazer uma greve geral

Estudantes cansados pela espera de seis meses para obterem o passe que lhes dá acesso ao transporte público, fazem vigília no pátio do Marquês dos Cofres Gerais. Estão cansados e fartos de serem aldrabados.

Quinhentas vítimas dos massacres da Baixa de Cassanje farão uma manifestação com início no largo do Quinaxixi às dez horas, até à embaixada do reino português para reclamarem as indemnizações. O Vice-rei da capital não autorizou.

Um general, nas traseiras de dois prédios montou ferros e colocou cortinas verdes para esconder o que lá se passa. Mas o que é que lá se passará?
Ocupou as traseiras de outro prédio, e construiu até ao terceiro andar um edifício. Mas quem é que manda no reino?! Quando chover e sem acesso à luz solar, como emparedados, os vizinhos sofrerão muito, e quando incendiar arderá à vontade porque fecharam os acessos.

Tentamos sobreviver como toda a gente. Para trabalhar ninguém quer pagar. O reino está nas mãos de aventureiros que sugam tudo o que resta. Fazemos o nosso trabalho e ficamos eternamente à espera do pagamento.
Já disse à Lwena, minha esposa, para vendermos a casa e fugirmos para o reino português. Para não morrermos aqui à fome. Ela é teimosa. Prefere vender cigarros, guloseimas e gasosas. Temos que pagar a conta da luz e ainda não conseguimos dinheiro. Vamos ficar às escuras. O pouco que consegue com as vendas que faz, não chega para nos alimentarmos convenientemente.

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